Judas Priest e Queensrÿche em SP: review e galeria de fotos
“Obrigado a todos aí em cima!”, agradeceu Todd La Torre após “Eyes of a Stranger” encerrar a apresentação do Queensrÿche no último domingo (20), na abertura para o Judas Priest no Vibra São Paulo. O vocalista, no entanto, não sabia que as cadeiras superiores do local estavam completamente vazias. Sem qualquer explicação oficial, o público que havia comprado ingressos para aquele setor foi realocado para a pista. Funcionários da casa atribuíram a decisão ao management da turnê. Independentemente de quem tenha sido o responsável, os maiores prejudicados foram os idosos, gestantes e pessoas com mobilidade reduzida — espectadores que buscavam a segurança e o conforto de um lugar reservado, mais tranquilo. Antes que Celso Russomanno fosse acionado em caráter de urgência, a produção se encarregou de direcioná-los ao setor destinado a pessoas com deficiência. Até onde se sabe, a Patrulha do Consumidor não precisou intervir.
Momentos antes, La Torre havia perguntado quantos dos presentes nunca tinham assistido a um show da banda. Cerca de dois terços do público — que lotava a casa, embora não completamente — levantaram as mãos com uma indiferença visível. E olha que o Queensrÿche, acompanhado pelos guitarristas Michael “Whip” Wilton e Mike Stone, pelo baixista Eddie Jackson e pelo baterista Casey Grillo, caprichou no repertório. A banda repetiu a espinha dorsal do set que apresentara no Monsters of Rock, no dia anterior, substituindo apenas “The Mission” por “Breaking the Silence” — criando a dobradinha clássica com “I Don’t Believe in Love”, como no icônico “Operation: Mindcrime” (1988) — e trocando “Nightrider”, surpresa do festival, por “The Lady Wore Black”, mais familiar ao grande público.
Há muitos méritos no chamado “Queensrÿche 2.0”. La Torre, aos 51 anos, impressiona pela fidelidade com que reproduz as linhas vocais de um Geoff Tate nos tempos áureos. Grillo, embora sem a malícia rítmica do antecessor Scott Rockenfield, imprime sua marca com batidas pesadas, quase punitivas. Como no dia anterior, a guitarra de Stone mal era audível, enquanto a de Wilton cortava o ar com clareza e potência. Já os backing vocals, comandados por Jackson, soavam tão perfeitos que chegaram a levantar dúvidas — pareciam uma gravação. Vai ver que eram mesmo.
Judas Priest: reescrevendo o roteiro
É difícil imaginar o Kiss encerrando um show sem “Rock and Roll All Nite” ou o Guns N’ Roses abrindo com “Paradise City”, certo? Pois o Judas Priest resolveu subverter as expectativas: trouxe “You’ve Got Another Thing Comin’” — tradicionalmente a última música dos shows — logo após a abertura com “Panic Attack”, um dos singles de “Invincible Shield” (2024). Ao menos, a tradição de começar com uma faixa nova foi mantida.
Nesta volta ao Brasil, Rob Halford (vocais), Richie Faulkner e Andy Sneap (guitarras), Ian Hill (baixo) e Scott Travis (bateria) pareciam determinados a silenciar as críticas à passagem morna de 2022. Em comparação com a performance burocrática no Knotfest e o show um pouco mais animado — porém ainda contido — no mesmo Vibra, com o tributo ao Pantera, a banda mostrou-se mais enérgica, coesa e disposta a dialogar com o público.
Reitero algo que já escrevi sobre o Judas: sua performance funciona melhor em ambientes fechados. Apesar dos desafios da casa — pista plana e palco absurdamente baixo —, o saldo foi positivo, superando em vários aspectos a apresentação no Monsters. O repertório foi praticamente o mesmo, com o acréscimo de “Saints in Hell”, inexplicavelmente ausente da noite anterior. Mas a diferença estava na entrega: parecia outra banda. Talvez porque, dessa vez, e como o Queensrÿche pôde sentir, grande parte do público estivesse ali exclusivamente para vê-los.
“Rapid Fire”, “Breaking the Law” e “Riding on the Wind” foram três dentro sem tirar. Já a “Love Bites” que o Yahoo não ousou macular, acompanhada de cenas do clássico “Nosferatu” no telão, saiu meio cambaleante, mas manteve sua atmosfera sombria. Em “Devil’s Child”, Halford — poupando a voz em trechos menos exigentes — disparou com fúria nos refrãos. Em “Crown of Horns”, outro destaque de “Invincible Shield”, Faulkner reafirma seu protagonismo criativo nesta fase ascendente da banda desde “Redeemer of Souls” (2014). Do subestimado “Sin After Sin” (1977), veio a poderosa “Sinner”, em que Halford deu uma verdadeira aula de técnica e entrega vocal.
Um coração metálico pulsante — não exatamente como o “Metal Heart” do Accept, mas mais próximo de uma alegoria anatômica, digamos, glútea — ilustrou “Turbo Lover”, surpreendentemente mais pesada ao vivo. E antes da faixa-título do novo álbum, Halford, sentado em um dos retornos de palco, trajado como um Milton Cunha motociclista, listou — fora de ordem e com algumas omissões — os dezenove álbuns de estúdio do Judas. Deixou de fora dois que os fãs certamente identificaram de imediato. Ainda assim, vale lembrar: ele já declarou que toparia cantar “Cathedral Spires”, de “Jugulator” (1997), um dia.
Texto: Marcelo Vieira; Fotos: Leandro Almeida