Lucifer ao vivo em São Paulo: review e galeria de fotos

Fabrique, São Paulo-SP
6/10/2024

O primeiro domingo de outubro foi um dia movimentado, marcado pelo primeiro turno das eleições municipais em todo o Brasil. Apesar da atmosfera política que dominava São Paulo, foi um dia perfeito para ver os primeiros shows internacionais agendados deste mês, como Lucifer, Destruction e Hybrid Theory, tributo ao Linkin Park, que deram início a uma maratona de apresentações que vai acontecer de semana a semana. Os que decidiram comparecer ao show do Lucifer, que voltou a São Paulo no último dia 6 de outubro no Fabrique Club, com a turnê Satanic Panic, tomaram uma excelente decisão. 

A banda se apresentou para uma grande audiência, repetindo o sucesso da sua estreia em 2022. A turnê, que também passou pelo Rio de Janeiro e seguiu em Belo Horizonte, também passou por outros países da América Latina. No total, foram sete shows, evidenciando a rápida conquista que a banda obteve junto ao público latino. 

Cinco bandas da cena underground fizeram o aquecimento antes da banda sueca aparecer no palco. Algumas pessoas ficaram espantadas com o número de bandas convidadas, porém tudo ocorreu de maneira ordenada e eficiente, com apresentações pontuais e um som de excelente qualidade. Infelizmente, as duas primeiras bandas do dia – Night Prowler e o Weedevil – fizeram shows para uma audiência pequena. 

Devido ser domingo de eleição, muitos só chegaram no local após o horário do fechamento das urnas. Mas o que conseguiram chegar cedo, viram excelentes apresentações. Night Prowler, a menos conhecida e com um aspecto sonoro diferente dentre as cinco, trouxe toda influência do Heavy e Speed Metal oitentista com pitadas de Hard Rock. Em seguida veio o Weedevil, que descarregou músicas do seu mais recente álbum, Profane Smoke Ritual, que deram corpo ao setlist. Liderado pelo baterista Flávio Cavichioli, a banda atraiu um pouco mais de público para o ressinto com seu instrumental arrastado, pesado e lento. A formação é completada pela talentosa Carol Poison (vocal), Jimmy Olden e Henrique Bittencourt (guitarras), e Claudio HC Funari (baixo), que foram super aplaudidos no final com direito a gritos de mais um. Destaques para a faixa-título, “Profane Smoke Ritual”, e “Elegy Necrotica”. 

Direto de Belo Horizonte, o Tantum foi a que mais se destacou totalmente das demais bandas. Seu repertório incluiu as incríveis “Wicked Spirit”, “Blind Snake” e “Ivory Towers”, que estão presentes no primeiro álbum, Turning Tables, e que possui uma sonoridade que evoca o Heavy Rock da década de 70. Contudo, o que realmente impressionou foi a presença de palco e o visual dos integrantes, resultando em uma performance altamente teatral, especialmente da vocalista Chervona, cujo visual lembrava o da Joana Machado na época que fazia a Feiticeira, no final dos anos 90 e início dos anos 2000. Além de uma cantora excepcional, Chervona também se destacou ao tocar teclado e flauta, como demonstrado na nova canção “Rojo”, lançada há dois dias e que culminou no melhor momento do show, onde Chervona surgiu vestida de noiva e esguichou sangue falso nos últimos instantes da atuação. O show terminou com a vibrante (e também nova) “On The Road”, que ainda não foi lançado em lugar nenhum. Como ninguém a conhecia, Chervona ensinou o refrão aos presentes. Bem ensaiados, todos cantaram juntamente com a banda. 

O quarto show foi da banda Pesta, natural de Belo Horizonte e uma das mais esperadas para o início da noite. Prestes a lançar um novo álbum, a banda é bastante conhecida entre os paulistanos, tendo oportunidade ter tocado ao lado de bandas internacionais pela capital. O seu Stoner Metal sofisticado cativou o público rapidamente, que já se tornava mais numeroso. Ao assistir atentamente ao show e se concentrar nas canções, é impossível não deixar de evocar a figura do Black Sabbath, a banda mais emblemática do gênero. Essa semelhança torna-se ainda mais evidente através do vocalista Thiago Cruz, que expressou seu amor por São Paulo nas poucas vezes que se interagiu com o público, além de possuir um timbre de voz reminiscente do Ozzy Osbourne na fase inicial da banda. Até mesmo os gestos que ele fazia no palco remetiam ao velho ‘madman’ daquela época. Por fim, o Space Grease finalizou essa maratona de shows de abertura em grande estilo. Embora menos conhecida e comentada no meio, a participação da banda foi uma excelente oportunidade para descobrir mais uma grande revelação no cenário, mesmo com sua trajetória iniciada em 2019. A organização fez uma escolha acertada ao escalá-los para tocar antes do Lucifer, já que a sonoridade do grupo se alinha bastante à da atração principal, mas com uma abordagem um pouco mais psicodélica. O destaque ficou por conta da dupla de guitarristas, Diego Nekasone e Franco Ceravolo, que entregaram riffs e solos em harmonia perfeita. Ju Ramirez também deu um show à parte, tanto na parte vocal quanto na presença de palco. Ela, junto com a Carol do Weedevil, mostraram que o Brasil possui excelentes vocalistas nesse estilo aqui no Brasil. 

Finalmente, após um atraso de quase vinte minutos que passou despercebido, uma das bandas mais renomadas de Heavy, Doom e Stoner Metal, o Lucifer, subiu ao palco, enchendo de alegria o público que lotava o Fabrique Club. Sem delongas, o show começou com força total com “Crucifix (I Burn for You)”, que imediatamente elevou o ânimo da plateia, que cantou o refrão em coro. O mesmo se pode dizer das músicas seguintes, “Ghosts” e “Dreamer”, esta última uma agradável surpresa do setlist e que não era apresentada ao vivo há bastante tempo. A reação do público foi impressionante logo nas primeiras melodias, que antecederam os riffs pesados das guitarras de Martin Nordin e Linus Björklund. 

Além de Martin e Linus, que formam uma poderosa dupla de guitarras, a banda conta com o baixista Harald Göthblad e o versátil multi-instrumentista Nicke Andersson, conhecido por sua participação no The Hellacopters e por ter feito parte do Entombed. Porém, é a vocalista Johanna Sadonis quem realmente chama a atenção, não tem jeito. Econômica nas palavras, ela compensa essa falta de comunicação com seu talento invejável. Não é à toa que ela é considerada a melhor vocalista feminina da atualidade, possuindo uma voz inigualável e radiante. O setlist de uma hora incluiu canções de praticamente todos os trabalhos realizados ao longo dos dez anos de atividade, destacando-se as faixas do recente álbum Lucifer V, lançado em janeiro deste ano, as quais se mostraram ainda melhores ao vivo. Do álbum, foram extraídas seis músicas, começando com “A Coffin Has No Silver Lining”, que deixou todos em êxtase com o seu peso. 

Joana ficou tão encantada com a recepção dela que fez questão deixar o seu microfone apontado para o público durante o refrão. “Fallen Angel”, a melhor do disco e também do show, foi acompanhada por um espetáculo de luzes, que acompanhou o ritmo acelerado da música. Em “The Dead Don’t Speak”, Joana exibiu seu lado brincalhão, interagindo tanto com a plateia quanto com os seus colegas. Antes de anuncia-la, ela fez questão de compartilhar o conceito por trás dela, que fala sobre os mortos que não se expressam. “Slow Dance In A Crypt”, com seu ritmo sereno e sublime, trouxe um momento de tranquilidade. 

Mas essa calmaria felizmente foi breve, pois assim que Nickie iniciou “Bring Me His Head”, seguida pelo cover de “I Want You (She’s So Heavy)” dos Beatles, a energia frenética ressurgiu imediatamente, concluindo essa primeira parte com a banda sendo aplaudida e ovacionada antes do bis. O mais engraçado nela foi Joana tentando arrastar Linus para o centro do palco durante o solo. Depois da falsa despedida, a banda retornou ao palco para apresentar as músicas finais, e as escolhidas foram “California Son” e “Reaper on Your Heels”, ambas do álbum Lucifer II. 

As canções foram aplaudidas de tal forma que parecia que ainda estávamos no início do show, com a plateia animada cantando em coro. Embora fosse o fechamento do espetáculo, todos já sentiam a saudade que ele deixaria. Essa nova passagem do Lucifer por São Paulo foi ainda mais impactante do que a primeira, mesmo eu não tendo estado presente no show realizado há dois anos. Ao ouvir os relatos de quem esteve naquela ocasião, não há dúvidas de que essa mais recente visita no Brasil superou a anterior. O Lucifer prova que, sem seguir muitos padrões, é possível realizar um show de Heavy Rock inesquecível, como foi o caso no último domingo. Que voltem o mais breve possível.

Por Gabriel Arruda / Fotos: Leandro Almeida