Ozzy Osbourne passa pelo Rio de Janeiro

Jeunesse Arena, Rio de Janeiro/RJ (20/05/2018)

Assim que cheguei em casa, por volta das onze e meia da noite — o que é bem cedo, se considerarmos o quão longe fica a Jeunesse arena, que nós, cariocas da zoeira, apelidamos de “Genésio” —, um colega me perguntou numa rede social: “gostou do Ozzy?” Após uma breve reflexão, concluí que o “gostar” neste caso é um “gostar com ressalvas”. Pense bem: não tem como não gostar de um repertório que despreza por completo todos os terríveis álbuns de estúdio lançados pelo Madman dos anos 2000 para cá.

Por outro lado, o setlist, mais engessado que o Ronaldo na época da Inter de Milão, é rigorosamente o mesmo há bastante tempo. Ok, Ozzy bebeu e cheirou tanto que é realmente um milagre e uma afronta à ciência que ainda esteja vivo, mas, alto lá: o que custa fazer um resgatezinho que seja? Uma surpresa para quem já o viu tantas outras vezes, acompanhado por tantos músicos diferentes, quem sabe? A cola da letra fica ali no monitor de palco mesmo — seu segredo está bem guardado conosco, Ozzy, pode confiar!

Ozzy está cantando “bem” diversas músicas? Sim! Mas não sem claro, óbvio, se valer do “game shark” de todo vocalista quando estes começam a “ratear”, a dar sinais de desgastes: abaixar os tons das músicas. Acho que a partir de uns bons 10 anos de carreira, já começa a valer o contador disso, e para cada mais dez, eles dão um jeito de descer mais meio – ou um tom inteiro. Imagine onde estão os tons então, nas proximidades dos 70 anos de John Osbourne? Do the math, folks. Algumas beiram o irreconhecível.

E é aquela coisa: ele certamente se lembra dos tons de todas delas, afinal, gravou e assistiu a todas nascerem, foi parte ativa do processo de composição. Por mais que se ensaie em tons mais graves e mais confortáveis para as condições físicas de um senhor de quase 7 décadas, quem canta, sabe e conhece, tem na memória: “Como é que se entrava naquela música mesmo? Ah, daquela forma”. Basta começar alguma canção que está muito alterada, que bate a dúvida no nosso Madman, ainda que de uma fração de segundo, de “Oh God, em que tom eu canto isso”? Ok, logo depois ele “acerta o tom”, mas descrevo isso só para ilustrar o quão confuso isso deve ser até para quem escreveu aquelas músicas.

Zakk Wylde me surpreendeu: tocou bem. Ué gente, mas Zakk Wylde TOCA BEM, PONTO. Sim, ele foi uma referência, um gigante, em muitas coisas: timbre, fraseado, postura de palco, tudo que é possivel se pensar esperado de um guitarrista de metal, heavy rock, rock and roll em geral, ali do fim dos anos 80 até aos meados dos anos 90. Bastou ele gravar “Ozzmosis”, em seguida fazer o famigerado teste para o Guns And Roses – o que lhe rendeu sua primeira demissão da banda de Ozzy – para ele montar sua menina dos olhos: o Black Label Society. Desde então, é a banda dele, projeto dele, a aspiração musical que ajudou a pavimentar, galvanizar o “som de Zakk Wylde”: guitarras Gibson com captacao EMG ativa, amps Marshall com pegada vintage e construcao moderna (amps single channel), pedais de efeitos de chorus e wahwah… correção, MUITO CHORUS, MUITO WAHWAH.

Ao se posicionar nesse “lugar de mercado” durante o resto dos anos noventa e começo dos 2000, quando ele voltou para a banda na época do disco Down to Earth, trouxe toda essa bagagem com ele. E gente, desculpa: Ozzy é Ozzy, BLS é BLS. Nem tudo que funciona na banda de Zakk funciona com a banda de Ozzy. E de repente, tudo passou a ter a “key signature” de Zakk Wylde, como se Ozzy Osbourne Band e Black Label Society passassem a ser a mesma banda, com cantores diferentes (de estilo no entanto até parecidos).

Não à toa isso lhe rendeu outro afastamento em 2010 por motivos de “cara, seu timbre tá chato de se ouvir, me deixa descansar disso um pouco e gravar com outro cara diferente de você”, com subsequente entrada do impressionante Gus G (que saudade do meu ex…). Mas esse festival de entra-e-sai de Zakk da banda de Ozzy nunca são definitivos. A relação dos dois está além do profissional, Ozzy é padrinho de todos os filhos de Zakk. Claro que ele volta. E com essas voltas, sempre a preocupação de se Zakk não vai detonar com os arranjos, os solos, tudo. Afinal, ele tem responsabilidades hercúleas de reproduzir arranjos de ícones tais como, Tony Iommi, Randy Rhoads, Jake E. Lee.

Quem recentemente assistiu a passagem do projeto Zakk Sabbath por terras tupiniquins, sabe que é muito legal, aquele trio formado por Wylde-Blasko-Castillo interpretanto Black Sabbath dos 8 primeiros discos, etc, ok muito legal como eu falei… mas, todos os solos são tão cheios de efeitos de wah wah e chorus, que parecem gravados dentro de um aquário, com o ralo succionando água abaixo. Acho que para leigos essa é a descrição mais próxima a ser feita em palavras. Enfim, o problema deve ser comigo: coisas de músico que não consegue desligar esse lado e “apenas” curtir o momento. Ainda bem que Zakk estava inspiradissimo, respeitou arranjos e foi aquele Mr Wylde da epoca do No More Tears, o menino prodígio que fez toda uma geração de novos guitarristas encontrar seu novo tipo de herói.

Rob Blasko e o ilustre Adam Wakeman, sim, filho de Rick, são os atuais decanos da banda de Ozzy, segurando as pontas dos baixos e teclados, além de uma providencial segunda guitarra base, no caso de Adam, desde 2007/08. É claro, temos a usina sonora na bateria sob o nome de Tommy Clufetos, que já pode morrer feliz: desde 2010/11 pertence a banda de Ozzy… “AND” ao Black Sabbath, “apenas”. Com esse cara nas duas bandas, você não sente saudade alguma de Mike “inimigo do metrônomo” Bordin, que é o batera perfeito para o Faith No More, mas não para os pais fundadores do Heavy Metal britânico.

Exatamente como comecei esse texto, eu termino: já se prestaram a dar uma olhadinha naquele site maravilhoso chamado setlist.fm? A última passagem solo dele por aqui, deu-se em 2015 (e não atingiu terras cariocas ). A única relevante mudanca foi o acrescimo do hit No More Tears, hoje em dia, executada em um tom tão baixo, que até nosso padrinho do metal não deve sequer mais reconhecer que diabos de música é essa… “Em que tom a gente ensaiou isso aqui mesmo?” Acho que já fiz essa pergunta, desculpa galera…). Infelizmente para mim, um repertório engessado por mais de 3 anos, isso que possamos lembrar e catalogar, não me parece uma boa maneira de se dizer adeus a uma legião de séquitos, que por onde John Michael Osbourne passa, se arrastam para estádios e casas de shows tais como acólitos fiéis. Fica aqui aquela esperança de, quem sabe, mais um giro, uma prorrogação, uma decisão por pênaltis, com um catálogo ao vivo renovado.

(Daniel Croce)