Veja como foi o Primavera Sound Barcelona

Parc del Fòrum, Barcelona, Espanha (31/05/2018 a 02/06/2018)

Talvez tenha faltado um ponto de interrogação no título, mas não queremos levar opiniões para o campo pessoal. Entendemos que o Primavera Sound é um festival pra lá de democrático e é com essa mentalidade que chegamos para fazer essa cobertura e com a mesma saímos do recinto Parc del Fòrum após finalizarmos nossas atividades.

A mesma reação de espanto que tivemos ao ver um artista de música minimalista que, em outras edições passaria bem longe do evento devido ao nível de exigência do mesmo, pode ter o publico deste (artista) ao ver uma multidão vibrando com o Death / Black Metal do Watain, ou mesmo ao Hardcore de Dead Cross com Mike Patton e Dave Lombardo estremecendo as estruturas do recinto.

Exatamente por esse nível de exigência de um público seleto, é que esperávamos mais do cartaz para a edição de 2018.  Após 11 edições seguidas cobrindo o Primavera Sound Barcelona e vendo desfilar bandas históricas por seus palcos que, nestes onze anos passou de seis para treze cenários, números que valem para avaliar o crescimento do mesmo – contando apenas com nossas participações – o que, em algum momento poderia dar uma balançada.  Sabemos que é difícil manter o ritmo e o nível alto sem sofrer algum arranhão.

DIA 1 – 31/05

Porém, democraticamente e porque para muita gente o festival foi ótimo e porque gosto não se discute, focaremos no positivismo e pra lá dispararemos nossas vibes. Iniciamos com os escoceses do The Twilight Sad, banda que ficou conhecida por, recentemente abrirem alguns shows do The Cure, incluindo um show especial dos 40 anos de Robert Smith e companhia.  Chamam atenção as expressões faciais do vocalista, vibrante com os riffs de guitarra e com suas próprias letras. Se fossem um pouco mais pop diríamos que possuem um quê de Coldplay mas não é para tanto (no momento).

Ainda que na programação figurassem nomes como Sparks e Warpaint e devido à distância que nos encontrávamos, decidimos por ir direto ao The War On Drugs que, já não é a primeira vez que visita o festival mas dessas vez, com um pouco mais de uma década de carreira e cinco discos lançados (incluindo EPs), o sexteto americano fez um dos melhores shows do Primavera Sound e, talvez, tenha salvado o dia para o  público que melhor faz o perfil do evento.  Isso é, nada de luzes espetaculares, poses, chuva de papel picado ou seja lá o que for.  Ali estava um grupo que se dedica a tocar boas músicas, riffs com efeitos Tremulos, Fuzz, Chorus com suas guitarras Gretsch Electromatic, diante de um fim de tarde inspirador.  Poucos podiam imaginar quando os primeiros acordes de In Chains começaram a soar que ali estaria o brilho do dia.  Só passamos a ver com nitidez quando An Ocean In Between The Waves que algo especial estava acontecendo, foi como se o público estivesse num universo paralelo e que Adam Granduciel, líder do The War On Drugs fosse o grande maestro da trilha sonora, o que na verdade foi.  Nota 10, merecido para uma banda que vem perseguindo um reconhecimento à altura numa estrada que parece infinita.

Bjork atraiu olhares no palco principal do evento e logo depois o eterno mal-humorado Nick Cave junto aos seus Bad Seeds também fez a festa da galera.  O australiano é nome habitual no evento e não decepciona seu público fiel.   Entre um palco e outro matamos curiosidade com o Rostam que tem em “Bike Dream” seu grande hit e em seguida o rapper Vince Staples.  Assim como tudo na vida, o rap também mudou, já se foi o tempo das bases calcadas nos anos 70, aquele groove e tal.  Hoje o rap é bem mais eletrônico e nesse gênero, Staples e A$AP ROCKY vem dominando o mercado, tendo por base a vibração do bom publico que se acotovelava para cantar suas letras, recheadas de palavrões, é claro.

DIA 2 – 01/06

A ideia era chegar cedo para conferir o show do Waxahatchee (nome difícil) mas como a banda faria um segundo show no domingo, dia do encerramento do festival, aceitamos o atraso e preferimos dizer que chegamos cedo para o The Breeders.  A banda, com formação original, vem apresentando seu novo trabalho de estúdio, do qual apresentou Wait in The Car e a música que All Nerve que dá título ao disco mas decidiu dar início com tiro certeiro e abriu o set com New Year do aclamado Last Splash. Outra que fez a cabeça do público foi No Aloha além da esperada e celebrada Cannonball. Cruzando o descampado até chegar no palco Seat, conferimos Father John Misty, músico que abandonou o badalado Fleet Foxes para sair em carreira solo e ao que tudo indica vai de vento em popa, isso é, para os fãs do folk.

Em mais uma mudança de planos forçada, devido à distância entre palcos e o curto espaço de tempo para o trajeto, trocamos o Mogwai pelo The National. Sim, cometemos esse crime, mas era isso ou nada. Nada contra o The National, até curtimos alguns hits e o show é bem sofisticado, alto nível, um verdadeiro top mas depois de algum tempo cansa, ainda mais sabendo que visitam Barcelona com certa frequência.  Matt Berninger deixou claro que a camisa laranja que usava sob seu luxuoso terno era por campanha ao desarmamento.  Dentre as mais aclamadas, não cabe dúvida que Bloodbuzz Ohio saiu vencedora.

Algo que foi habitual nesta edição do Primavera Sound foi a confirmação de bandas de última hora, como foi o caso de Los Planetas e Skepta.  No caso do Ride, a confirmação chegou dois dias antes e foi muito bem acolhido no palco Hidden Stage, que exatamente é conhecido por ter shows secretos.  A grande vantagem destes shows e que combina perfeitamente com um festival deste porte é ver bandas míticas com setlists curtos e diretos.  Sendo assim, os britânicos abriram com Lannoy Point e Charm Assault duas pérolas do último disco, Weather Diaries. Seagull e Leaving Them All Behind criando toda uma atmosfera que somente uma banda como essa pode proporcionar. Camadas de distorção, Andy Bell desfilando suas Rickenbacker 330 ao lado de Mark Gardener incrementando o som com uma linda Gretsch deixando o público com um largo sorriso na face.  A posição do palco proporciona uma visão espetacular do ambiemte e Mark demorou a perceber que ao lado esquerdo, além do Mediterrâneo, havia uma multidão vibrando no gramado. Para completar, uma linda lua se posicionava no horizonte com um forte reflexo no já mencionado Mar Mediterrâneo e Drive Blind ecoou de maneira magistral.

DIA 3 – 02/06

Terceiro e último dia de festival no formato grande, ou seja, no recinto Parc del Fòrum.  Passamos rapidamente pelo palco Mango para conferir o Car Seat Headrest que tem lá seu público. De lá seguimos para o Hidden Stage aonde a banda Belly (mais um grupo clássico resgatado) se apresentou e não se decepcionou.  Típica banda que nem sonhávamos em assistir um dia e só um evento como o Primavera Sound pode proporcionar.  É claro que o destaque, no que diz presença de palco, fica com Gail Greenwood, ex-baixista do L7 e Throwing Muses. Ainda flagramos Rachel Goswell, vocalista do Slowdive, assistindo ao show ao lado da mesa de som.

E foi exatamente no trajeto que, após o Belly, conferimos de perto o Slowdive, lançando o autointitulado álbum, primeiro em 22 anos, e abrindo o set com Slomo pertencente ao mesmo. Tocaram também clássicos como Catch The Breeze e Crazy For You para delírio da legião de fãs. Não assistimos a Slowdive por completo porque o dever nos chamava. Watain baixou no festival com a missão de manter a veia destruidora que tem o mesmo. Pelo mesmo palco já passaram, OFF!, Mayhem, Napalm Death, Trash Talk, além de Slayer e Motörhead pelos palcos principais do Primavera. Antes mesmo do show começar, o temor tomava conta dos fotógrafos devido a informação de que a banda joga sangue no público, fato confirmado mas quando já havíamos deixado o fosso.  Alguns profissionais mais assombrados deixaram suas posições correndo, tadinhos.  Para não dizer que teve de tudo, faltaram as chamas e tochas no palco.  O resto estava lá, sangue, cruzes, luzes vermelhas, caras pintadas, braceletes de espinhos e engana-se quem acha que no festival indie ninguém conhecia o Watain ou mesmo não há público para o mesmo.  Tinha uma galera com a letra de Nuclear Alchemy e Devil’s Blood na ponta da língua. Show porradaço, quebra ossos e que deixou o publico com sede, logo saciada com Dead Cross de Mike Patton e Dave Lombardo.  Detalhes do Dead Cross deixaremos para a próxima publicação, já que dentro de duas semanas estaremos embarcando para o Hellfest.  A verdade é que o Arctic Monkeys tocou no mesmo horário do Dead Cross e exatamente por defender vários interesses ao mesmo tempo, resolvemos jogar com as possibilidades e fomos ao palco Mango conferir os Monkeys.

A banda liderada por Alex Turner é, há muito, uma das mais pedidas e aguardadas do evento. A expectativa ao redor da mesma foi enorme e nisso, o Primavera cumpriu sua parte. Trouxe a banda com um disco fresco no mercado e, talvez aí, algo tenha saído do roteiro.  Entendemos que para um grupo, que acaba de lançar um disco, o mesmo queira apresentar para os fãs suas novas criações.  Isso será válido quando, no próximo mês de outubro, o quarteto visite Barcelona para oficialmente apresentar o disco, o fã compra entrada e quer exclusivamente assisti-los e aceita a tudo o que tocarem.  Porém, ao estar num festival, aonde pessoas querem festa, querem hit, querem sucesso, êxito e top 10 e mais, o tempo é limitado e a banda toca nada mais nada menos do que metade de seu disco recém lançado, considerando que é um disco de músicas lenta, com piano e teclados a dar com pau, num recinto aberto aonde as músicas com guitarras já eram difíceis de se escutar (sim o som estava extremamente baixo) e as músicas de pianos eram inaudíveis a 40 metros de distância.  O quarteto levantou o público com Brainstorm, I Bet You Look Good on Dance Floor, R U Mine e outras quantas plugadas que, como foi dito antes, o clima tem que ser de festa e o show dinâmico porque assim pedia a ocasião.  e o disco é bom ou ruim, se é bom para os críticos e o fã mais seleto, isso não importa, mas com menos de uma hora de apresentação e muita gente arredou pé, era hora de buscar outro palco, outro artista que conectasse mais com o perfil do público que o evento recebeu este ano. Quer dizer que o show foi ruim?  Não, o show não foi ruim mas deveria ter sido épico pela expectativa gerada em torno da participação da banda no evento, o que acabou não acontecendo.

Como foi dito antes, a organização cumpriu com algumas de suas metas. Trouxe Bjork e Arctic Monkeys além de um punhado de bons artistas que habituais ou não, mantém o motor funcionando.  Agora resta avaliar e esperar o ano que vem, que venham mais guitarras.

Para finalizar, sabe aquele segundo show do Waxahatchee que ficamos de assistir no domingo, dia do encerramento com apresentações gratuitas no centro da cidade?  Caiu um pé d’agua absurdo e não deu nem para sair de casa.  Não se pode ganhar todas.

(Ana Paula Soares & Mauricio Mel)