Review dos lançamentos nacionais do Artillery

Artillery – Fear of Tomorrow

Voice Music / Rock Brigade Records

O guitarrista (e ex-roadie do Mercyful Fate) Jørgen Sandau e o baterista Carsten Nielsen estavam na casa dos 20 anos quando, inspirados pela música Heavy Artillery dos ingleses do Tank, formaram o Artillery em 1982. Foram necessários três anos e quatro fitas demo para que o grupo, completado pelos irmãos Michael (guitarra) e Morten Stützer (baixo) encontrasse em Flemming Rönsdorf o vocalista ideal e obtivesse reconhecimento além dos subúrbios ferroviários de Copenhague, Dinamarca.

A estreia em disco do quinteto, lançada pela Neat Records em agosto de 1985, repete o nome da demo divulgada poucos meses antes: Fear of Tomorrow. Passados 35 anos, a bolacha, hoje detentora de um status de cult combinado com uma merecida vaga entre os precursores do thrash metal, volta ao mercado brasileiro de CDs como parte da série Rare Archives, fruto da parceria entre Voice Music e Rock Brigade Records. E chega trazendo pôster exclusivo 36cm x 36cm e encarte com letras, fotos e o mais legal de tudo: um scan da resenha assinada por Wilson Dias Lúcio publicada numa edição da revista Rock Brigade de 35 anos atrás na qual o autor demonstra empolgação e grandiloquência ao descrever a banda como “mortífero projétil incandescente”.

A capa traz o que parece ser um assassino de aluguel, encapuzado e mascarado, recarregando sua pistola com silenciador. Se a ideia era que houvesse diálogo entre forma e conteúdo, o mais indicado seria John Rambo com sua metralhadora de munição infinita estraçalhando birmaneses em alto e bom som na sequência final do quarto filme da franquia.

Sutileza não é um adjetivo que caia bem ao Artillery. Seu ataque é sonoro, latente, impiedoso e ideal para quem deseja exorcizar as agruras de um dia estressante no trabalho golpeando um saco de pancadas até os nós dos dedos começarem a doer. 

A título de comparação, a música é um meio-termo entre o Megadeth de Killing Is My Business… and Business Is Good! (1985) e o Annihilator de Alice in Hell (1989).

Nas letras, impera o que se pode chamar de malvadeza de butique, típica de bandas de metal iniciantes cuja gana em ser levada a sério acaba se traduzindo em motes de ódio gratuito e, de tão exagerado, fajuto.

Em The Almighty, por exemplo, os caras encarnam o Lúcifer e desafiam aquele que criou o homem, mas se esqueceu de lhe ensinar o amor e a gentileza. Já em Into the Universe, imagens à la Carcass são conjuradas em versos como “Vultures are waiting to rip the flesh of my face”.

Na saideira Deeds of Darkness, uma letra que parece roteiro de filme de horror é apresentada sob um véu musical que remete a Black Sabbath. “Dead bodies give me life […] The flesh is dead but it’s full of life”, canta Flemming, todo necromante de si mesmo.

Bonito por fora, interessante por dentro, histórico por excelência e de sonoridade cristalina graças à masterização adicional realizada por Fabio Golfetti (Violeta de Outono, Gong): tornando minhas as palavras de Dias Lúcio: “10 é pouco!”

 

Artillery – Terror Squad

Voice Music / Rock Brigade Records

O ano e oito meses que separam Fear of Tomorrow de Terror Squad coincidiu com um dos períodos mais inspirados da história do thrash metal. Entre os álbuns clássicos lançados entre agosto de 1985 e abril de 1987 estão Spreading the Disease do Anthrax, Peace Sells… But Who’s Buying? do Megadeth, Reign in Blood do Slayer e o maior de todos, Master of Puppets do Metallica. Isso para ficarmos restritos às bandas chamadas de Big Four do gênero, pois a lista é excepcionalmente longa.

Se não fosse a concorrência desleal, é certeza que o segundo álbum dos dinamarqueses do Artillery seria mais festejado. Ainda assim, em comparação com o que se ouve em seu antecessor, Terror Squad apresenta uma banda em um estágio mais avançado de seu desenvolvimento, seja na música — pesadíssima, construída sobre riffs que só de pensar sinto as mãos dormentes, exaustivas e emagrecedoras levadas de bateria e um vocal do tipo ame ou odeie —, seja nas letras, que seguem à risca o teor proletário e contestatório típico das bandas da New Wave of British Heavy Metal.

Na pauta da assembleia proposta por Flemming Rönsdorf (vocais), Jørgen Sandau (guitarra), Carsten Nielsen (bateria) e pelos irmãos Michael (guitarra) e Morten Stützer (baixo) estão meio-ambiente e a vida no planeta (The Challenge e At War with Science), injustiças sociais (In the Trash e Hunger and Greed) e violência policial (Terror Squad). 

Versos como “We are building new weapons protecting the peace” e “Pollution has caused destruction of life” não poderiam ser mais atuais. Em Let There Be Sin, o ataque é às religiões organizadas: “Se Deus e o diabo estão em guerra, deixe-os lutando para lá”, propõe a letra.

Mais adiante, Therapy descreve os horrores por trás de uma internação na ala psiquiátrica amarrado à cama, deprimido e sem a menor noção do tempo. Na saideira Decapitation of Deviants somos lembrados que (1) se merda fosse dinheiro, pobre nascia sem c… e (2) a vida é para ser vivida. Ou seja, aproveite ao máximo com o que tem no bolso.

Fugindo ao que virou regra na série Rare Archives, o presente relançamento de Terror Squad assinado pela parceria Voice Music / Rock Brigade Records carece de bonus tracks. Inclui, no entanto, encarte com todas as letras e aquele pôster dupla-face 36cm x 36cm que você dificilmente colocará na parede. Afinal, escolher um dos lados é dar adeus para sempre ao outro.

(Marcelo Vieira)