Review duplo: dois clássicos do Tysondog relançados

Tysondog – Beware of the Dog
Voice Music / Rock Brigade Records 

Não é de hoje que a única coisa que vai para frente no Brasil é o atraso. Prova disso é o LP de estreia dos ingleses do Tysondog só ter chegado ao país em 1987, mesmo ano em que o quinteto natural de Newcastle encerrou suas atividades.

Passados 35 anos do lançamento original pela Neat Records e 21 do relançamento nacional em CD duplo — incluindo o sucessor Crimes of Insanity (1986) — pela Rock Brigade Records, Beware of the Dog volta ao mercado brasileiro como parte da série Rare Archives, trazendo bonus tracks, luva, pôster e encarte recheado com letras, fotos e fac-símiles da época, incluindo a resenha de um show da banda em Londres, em 1985, assinada pelo próprio Antonio D. Pirani, fundador da Rock Brigade.

Em matéria de som, Beware of the Dog vai na contramão do que estava em voga na Inglaterra, mas ainda fervilhava em países da Europa continental; sobretudo na Holanda, onde nomes como o Jaguar reinavam absolutos. Ao invés de fazer como a maioria das bandas da New Wave of British Heavy Metal e amaciar o som visando ao público estadunidense, Clutch (vocais), Alan Hunter (guitarra), Paul Burdis (guitarra), Kevin Wynn (baixo) e Ged Wolf (bateria) apostaram no feijão com arroz, e para obterem um resultado brutal sob medida contaram com ninguém menos que Cronos (Venom) na produção.

Há quem diga que o cara, que também contribui com urros de fundo na música Demon, só teria aceitado o trabalho por Wolf ser irmão de Eric Cook, então empresário do Venom. Uma entrevista concedida para a Metal Forces reforça a tese e planta a treta: “[Tysondog é] uma porcaria, uma cópia de Judas Priest”, disse Cronos.

Porcaria não é. Cópia? Talvez. O fato é que o som lembra bastante o do Priest — Dog Soldiers tem algo de Metal Gods enquanto The Inquisitor usa o mesmo molde de Hell Bent for Leather —, mas não o suficiente para cronistas musicais como Malcolm Dome, Dante Bonutto e Geoff Barton — o responsável por cunhar NWOBHM — não preverem um futuro brilhante que infelizmente nunca se concretizaria.

Talento havia, inclusive nas letra. Se faltou o timing para decolar, paciência. Como diz um dos versos finais da derradeira In the End: “Time’s the only healer”. Reformado em 2008 pelas mãos de Burdis e Wynn, o Tysondog segue na ativa. Seu disco mais recente é Cry Havoc, de 2015.

Tysondog – Crimes of Insanity
Voice Music / Rock Brigade Records 

O Tysondog levaria quase dois anos para preparar o sucessor de Beware of the Dog (1984). Quando Crimes of Insanity saiu, o panorama do metal mundial já era outro. Sacando isso — e reforçando a tese de que, nesse ínterim, a Inglaterra passara de criadora a seguidora de tendências —, Clutch Carruthers (vocais), Paul Burdis (guitarra), Kevin Wynn (baixo) e Rob Walker (bateria) se distanciam do heavy elementar quase cópia de Judas Priest do disco de estreia conforme estreitam laços com o emergente thrash estadunidense de bandas como Overkill e Flotsam and Jetsam.

A ausência de Alan Hunter na segunda guitarra impossibilita que o ataque duplo à la Glenn Tipton e K.K. Downing presente em Beware se repita. Por outro lado, isso faz de Burdis protagonista e o cara entrega ótimos solos. Quem também não dá as caras — pelo menos não tanto em comparação — é o registro mais alto, quase “halfordiano”, de Clutch.

O vocalista aqui opta por tons mais baixos e convoca os colegas a contribuírem com gang vocals — outro aspecto chupado do thrash — em todas as faixas que possuem refrão. No quesito letras, enuncia-se o fim do mundo (Judgement Day) e invoca-se o demônio tanto na primeira (Blood Money) quanto na terceira pessoa (Smack Attack). E se o alvo em Eat the Rich são os filhos de empresários que viram diretores na empresa do pai e os líderes religiosos que são pura bondade, só que da boca pra fora, a propositalmente anticomercial — não que alguma música aqui seja necessariamente comercial — The Machine é quase uma crônica da separação motivada pela máquina (leia-se a indústria fonográfica) que viria poucos meses depois.

Com o perdão do trocadilho, o único crime de insanidade propriamente dito é o tratamento quase punk dado a School’s Out. Peço licença a Wilson Dias Lúcio, que assina a resenha publicada na Rock Brigade em 1987 reproduzida no encarte desta belíssima nova edição em CD, para discordar dele quando ele afirma que essa é uma das melhores versões que já ouviu do clássico de Alice Cooper.

Passagens subtraídas, seções rearranjadas e um desfecho de 20 segundos que não dizem nada; ou o cara quis ser muito bonzinho no texto ou realmente se deixou levar pela empolgação que faz o VAR do bom senso perder a calibragem.

(Marcelo Vieira)