Roger Waters incendeia Curitiba com discursos e clássicos

Estádio Couto Pereira, Curitiba/PR (27/10/2018)

Vinte e sete de outubro de 2018. Véspera do segundo turno das eleições para a Presidência da República no Brasil. O clima de ebulição presente nas redes sociais, ambientes familiares, ruas, instituições de ensino, etc, demonstram a apreensão do povo com o resultado dos votos que sairia no dia seguinte, domingo, ao show do grande Roger Waters. A dúvida pairava no ar: será Waters preso por protestar contra um dos candidatos em seu show? Como será a reação do público com o protesto? Waters desistirá do protesto e mudará a configuração do seu show? Haverá brigas entre os fãs pró e contra Jair Bolsonaro?

Alguns milhares de fãs pagaram para ver. O prestígio do cantor, multi-instrumentista e compositor que marcou gerações e influenciou o mundo da música, uniu corações opostos com seu espetáculo visual incomparável. Caminhões, empilhadeiras e todo aparato necessário para tornar isso possível não paravam ao longo da semana para tornar o show possível. Para quem entrava pela Pista Premium, era possível visualizar a parte de trás do palco e toda a dimensão da estrutura, do qual tinha, inclusive, os porcos de Pigs e a bola prateada que viriam a flutuar durante o show.

A entrada do público no local mostrava a clara divergência política: uns gritavam “resistência”, com bottons e adesivos do candidato Fernando Haddad; e outros, carregavam a bandeira do Brasil, com blusa da Seleção Brasileira ou pró-Bolsonaro, gritando o nome do candidato. Os comentários sobre política permeavam a todos, e é claro, o medo que acontecesse alguma coisa também. Apesar disso, todos estavam muito animados e honrados por estarem lá e, inclusive, o momento era tão único na vida de alguns que até um homem aproveitou para pedir sua companheira em casamento. O momento foi tão bacana que os fãs em volta aplaudiram e comemoraram junto.

O show iniciou às 21h30 mais ou menos, o telão ligou e mostrava uma moça de costas, sentada na praia olhando o mar. A imagem que começa o storytelling do show foi se avermelhando e tornou-se um planeta vermelho, enquanto a gravação de Speak To Me acontecia ao fundo, premeditando Breathe. O público emocionado gritava de alegria, o som era tão espetacular que muitos agradeciam por estar lá vivenciando aquilo. O telão era de tirar o fôlego: grande e imponente, com imagens extremamente bem feitas e bem pensadas para cada música e transição. Em The Great Gig In The Sky, por exemplo, o telão ficava “estrelado”, o que era extremamente bonito. Logo mais, as backing vocals Jess Wolfe and Holly Laessig entram na música com um vocal poderoso, demostrando uma qualidade vocal formidável que foi muito aplaudida por fãs.O que viria depois, era de se surpreender. Com o barulho de alarmes ecoando, o telão fica completamente preto. Waters colocou o seguinte:
“São 9:58. Nos disseram que não podemos falar sobre a eleição depois das 10 da noite.
É lei.
Temos 30 segundos.
Esta é nossa última chance de resistir ao fascismo antes de domingo.
Ele Não!
São 10:00.
Obedeçam a lei”

O alvoroço tomou conta da plateia. Os vaias e gritos de “ele não” disputavam lugar nos ouvidos, e os fãs não acreditavam na jogada de mestre que Roger havia acabado de dar no finalzinho de Welcome To The Machine. Depois do protesto, o músico seguiu com Dèja Vú normalmente. Haviam fãs revoltadíssimo, xingando-o e mostrando o dedo do meio. Um, inclusive, que estava bem perto do palco levantou uma placa chamando Waters de babaca. Aparentemente, houve fãs que foram embora – pelo menos foi a percepção que tive na Pista Premium – e, infelizmente, houve casos de briga no setor inferior das arquibancadas. Os brigões foram separados pelos segurança e o pelo próprio público e foram expulsos do local.

Mas o protesto não parava aí. Em Another Brick In The Wall, as crianças chegavam com capuz preto cobrindo a cabeça e uma roupa de presidiário. Retiravam o capuz para cantar e depois retiraram o macacão, ficando com uma blusa escrita “Resist”. O público, em sua maioria, aplaudiu, e as crianças marcharam com as backing vocals para os cantos do palco. Junto com a última nota de guitarra, a palavra “Resist” surge gigantesca no telão e dá início ao intervalo: o momento em que Roger Waters pergunta “resistir a quem?”, “resistir a quê?”. Ele mesmo responde: ao neo-fascismo, ao lixo nos oceanos, à tortura, entre muitas outras coisas.

Na parte onde Waters coloca os países e nomes de neo-fascistas, onde estava escrito nos outros shows “Jair Bolsonaro – Brazil” havia uma tarja preta e, durante esse intervalo, houve gritos de “Fora PT”, “Hey, Lula, vai tomar no **”, “Mito” e “Ele não”; além dos comentários e debates entre os fãs sobre os candidatos e eleições no geral.

O show seguiu com a imagem de colunas subindo e que, surpreendentemente, apareciam de verdade no topo do telão, indicando a continuação da linha de protestos na passagem do álbum Animals(1977), com Dogs Pigs. Com a fábrica instaurada dentro do Estádio, Waters mostrou que sua opinião política não é só sobre o Brasil e, em meio às músicas, passaram imagens de diversos líderes políticos como Angela Merkel, Kim Jong-un, (procurar mais nomes) e, principalmente, Donald Trump. Pigs é quase exclusiva para o presidente americano que é ilustrado como um bebê, com maquiagem, lingerie etc. É nessa canção que o gigantesco porco voa pelo Couto Pereira com os dizeres “Stay Human/Seja Humano”.

As músicas permeadas no show com mais emoção – e um pouco de neutralidade – foram The Last Refugee, Wish You Were Here, Us+Them, Wait For Her, Part Of Me Died e claro, a obra-prima que fechou a noite, Comfortably Numb. As músicas da carreira solo do compositor complementam perfeitamente o storytelling da turnê e mostravam as consequências das ações políticas na sociedade e no próprio músico. Nessas canções, o foco na política era totalmente destoado e davam lugar às vozes do público que cantavam os clássicos, e à reflexão e introspecção nas músicas autorais. Em meio ao ódio e intolerância, silêncio e atenção.

A mensagem que Roger Waters queria passar, ele mesmo explica mesmo com as ofensas: “Eu também amo vocês. Muito obrigado. Esse show é sobre amor, tem a ver com amor”. O público saiu cada qual com sua opinião, mas compartilhando do mesmo sentimento positivo de um show magnífico, de uma qualidade sonora inconfundível e uma performance inesquecível.

(Victória Heloise)