Grimmett fala do Grim Reaper e de testes pra Maiden e Judas

Às vésperas de vir ao Brasil pela quarta vez para a que promete ser a mais memorável de suas passagens por aqui, Steve Grimmett não esconde o carinho que sente tanto pelo país quanto pelos fãs daqui. O líder do Grim Reaper passou por poucas e boas nos últimos anos — pontos que fiz questão de não abordar na entrevista que você está prestes a ler —, mas impressiona como não perdeu o bom humor e a disponibilidade para responder as perguntas sobre a fase áurea da banda que o consagrou — da qual fazem parte os clássicos da New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM) See You in Hell (1984), Fear No Evil (1985) e Rock You to Hell (1987) — e sobre reviravoltas na carreira que, segundo ele, quase aconteceram (ou poderiam ter acontecido): os ingressos no Iron Maiden e no Judas Priest. 

Rock Brigade: No comecinho dos anos 1980, o Grim Reaper venceu uma batalha de bandas cujo prêmio eram 24 horas em um estúdio de gravação. Daí vocês gravaram uma demo e a levaram para a Ebony Records. Seis semanas depois, a banda assinou o contrato. Tudo aconteceu muito rápido. Você estava preparado para tanta coisa em tão pouco tempo?
Steve Grimmett: Acho que sim, porque já vínhamos fazendo shows, e a razão pela qual assinamos com a Ebony foi uma sessão que fiz para a banda Chateaux. Embora as pessoas pensem o contrário, eu nunca fiz parte da banda. Não sinto que as coisas tenham acontecido rápido porque naquela época nada ainda tinha acontecido com a gente, sabe? Então, foi uma surpresa, mas daquelas agradáveis. Foi aí que tudo começou a acontecer em grande estilo; começamos a vender muitos discos e despertamos o interesse da RCA Records nos Estados Unidos. 

Vocês gravaram e mixaram o See You in Hell em apenas três dias. Como conseguiram obter um som tão bom em tão pouco tempo e com tão pouco orçamento?
Na verdade foram quatro dias. Realmente não sei dizer como. Éramos apenas nós quatro! [N.E.: Grimmett, o guitarrista Nick Bowcott, o baixista Dave Wanklin e o baterista Lee Harris] O álbum capturou o que éramos e como soávamos, sem mistério algum. E acho que o pessoal da Ebony caprichou na mixagem. 

Já li algumas entrevistas suas nas quais diz que há algumas partes do álbum que você acha extremamente difíceis de ouvir porque sente que poderia ter feito muito melhor. Quais partes exatamente?
Sem dúvida, All Hell Let Loose, mas sempre que você ouvir coisas que fez, encontrará uma ou outra que poderia ter feito melhor. Nenhum álbum que gravei me deixou 100% satisfeito. Sempre que o escuto, pelo menos dois meses depois de tê-lo terminado, eu penso: “Putz, poderia ter feito isso melhor”. Mas na época achei perfeito; era o melhor que eu poderia fazer naquele momento. 

Ao contrário de muitas bandas da NWOBHM, o Grim Reaper conseguiu se estabelecer nos Estados Unidos sem “americanizar” seu som. Como se deu isso?
Fizemos um clipe para [a faixa] See You in Hell ainda na Inglaterra, antes de cogitarmos ir para os Estados Unidos. A MTV norte-americana curtiu, pôs o clipe na programação e subiu uma enquete: “Vocês querem mais bandas assim na MTV?” O público foi à loucura: “Sim, nós queremos!” Daí o clipe começou a passar toda hora e isso ajudou o álbum a vender bem por lá. 

O Fear No Evil veio no ano seguinte, mas peca por não possuir um repertório tão memorável em comparação ao See You in Hell. Por quê?
As coisas mudaram nos Estados Unidos depois do See You in Hell e, basicamente, [os executivos da gravadora] nos pediram para escrever músicas mais radiofônicas; o que prontamente fizemos. Só que aí eles voltaram atrás e disseram para não nos preocuparmos que o espaço nas rádios estava garantido. Com isso, tivemos de reescrever tudo muito rápido, e acho que é por isso que não ficou tão bom quanto o See You in Hell, o que é uma pena. 

O disco seguinte, Rock You to Hell, é o meu favorito da banda. Em quais aspectos vocês, como indivíduos, evoluíram ou se desenvolveram de modo a permitir que soassem tão bem assim?
Foi a visão implacável do [produtor] Max Norman sobre cada mínimo detalhe. Ele não se contentava com apenas “bom o suficiente”. Além disso, ele me ensinou a cantar. Ele me fez ir para casa e praticar escalas ao piano, e eu fiz isso incansavelmente por seis semanas, tocando nota por nota, cantando nota por nota, e lhe sou muito grato por isso. 

Quando entrevistei o Lizzy Borden, ele chamou o Max de “master of tempo control” e ressaltou sua importância no que diz respeito a compor músicas melhores. Isso se aplica, também, ao Grim Reaper? Qual foi a maior contribuição do Max para a banda?
Totalmente! Ele nos ensinou a compor, a mudar tons e andamentos para melhorar certas músicas, para torná-las mais dinâmicas. E, como eu disse, ele me ensinou a cantar. Estávamos jantando uma noite quando ele disse: “Você sabe que tem um problema, né? Você canta desafinado”. Fiquei estarrecido! Mas ele estava certo. Demorei uma eternidade para gravar os vocais, porque ele não deixava passar nada. O Nick também sofreu nas mãos dele, mas, no fim das contas, isso nos tornou músicos melhores. E devo dizer que o Rock You to Hell foi o melhor álbum que fizemos em todos os sentidos: sonoridade, produção e composições. Ao Max o meu muito obrigado. 

A música Lust for Freedom e seu clipe têm uma história curiosa. Você poderia contá-la?
Escrevemos Lust for Freedom para um filme de mesmo nome produzido por uma empresa chamada Trauma Inc. nos Estados Unidos. O trato era: nós cedíamos a música para a trilha sonora do filme em troca de que eles financiassem um videoclipe para ela. Acordo verbal, pura e simplesmente. Um dia encontrei o DVD do filme à venda numa loja de conveniência num posto de gasolina. Não resisti e comprei; nunca tinha assistido a ele. Chegando em casa, descobri que usaram não Lust for Freedom, mas Rock You to Hell numa cena! E a música toca quase que o filme inteiro. Achei demais! [Risos] 

Por conta das capas dos discos e dos títulos de algumas músicas, teve gente acusando vocês de serem adoradores do diabo ou coisa que o valha?
Foi o que mais teve! Quando chegamos ao estúdio de gravação nos Estados Unidos para gravar o Rock You to Hell, por exemplo, todos os funcionários tinham sido avisados ​​de que éramos adoradores do diabo, que não éramos flor que se cheire. Obviamente, em poucos dias eles viram que não era bem por aí. Lembro de uma vez de quando estávamos em turnê e eu dei uma entrevista para uma revista cristã da qual não lembro o nome. Fui entrevistado por cerca de três horas e a primeira pergunta que o jornalista fez foi “Como é ser um adorador do diabo?” Levei quase o tempo todo da entrevista para convencê-lo de que [o nome] Grim Reaper era por causa de um dos quatro Cavaleiros do Apocalipse na Bíblia, e que nem todas as menções ao Inferno nas letras eram literais. Embora não pareça de cara, See You in Hell é sobre a primeira tentação de Cristo, mas por mais que eu tenha tentado explicar, ele não entendeu, então lá pelas tantas eu desencanei.  

Uma vez o Nick disse que o Darryl Johnston, dono da Ebony, roubou tanto vocês que efetivamente acabou abreviando a carreira da banda. Você poderia explicar isso um pouco melhor?
Bem, ele basicamente ficava com todo o dinheiro do contrato com a RCA. Ele nunca nos deu a nossa parte e, em razão disso, decidimos que iríamos sair da Ebony. Seguindo a orientação de nossos advogados, que nos disseram que poderíamos sair sem que houvesse maiores consequências, saímos. E então o Darryl nos processou e conseguiu nos impedir de trabalhar. Ficamos sem poder usar o nome [Grim Reaper]. A única maneira de continuarmos era como indivíduos. E isso f… deu a gente. 

No mesmo ano que o Grim Reaper se separou, você se juntou ao Onslaught para o álbum In Search of Sanity. Qual é a sua opinião sobre esse disco e esse período específico?
Acho muito bom. Eles estavam a fim de mudar de estilo e fizeram isso bem. O álbum [original] havia sido rejeitado pela London Records e eles tiveram que substituir o vocalista. Quando viram que o Grim Reaper havia chegado ao fim, o empresário deles enviou um e-mail perguntando se eu estava disponível, se havia interesse de minha parte etc. Pedi para ele mandar as músicas. Ele o fez; mandou uma fita cassete só com as instrumentais, sem vocais, e eu gravei os meus vocais por cima delas na garagem de casa. Daí ele pegou essa mistureba, tentou a sorte outra vez e, pronto, contrato assinado. Então tive que ir até a London Records para conhecê-los [a banda] e eles contaram quanto dinheiro já haviam gastado no álbum etc. No fim das contas, o investimento valeu a pena: foi um grande álbum. 

Dois anos depois, você formou o Lionsheart. Conheço muitas pessoas que acham que esta é a sua melhor empreitada musical. Você concorda?
Com certeza! Especialmente porque é de onde eu venho: rock baseado no blues britânico. Infelizmente, a banda está parada porque estamos sem guitarrista. Tenho alguns nomes em mente, mas vamos ter no que vai dar. Estou muito ocupado para pensar nisso no momento. 

Você afirma ter feito o teste para o Iron Maiden depois que o Bruce Dickinson saiu da banda, mas perdeu a vaga para o Blaze Bayley. Você poderia contar como foi isso?
Conheci o Rod Smallwood [empresário do Iron Maiden] durante a turnê Hell on Wheels [de 1987, com Helloween e Armored Saint] e me dei muito bem com ele. Quando o Bruce estava para sair da banda, alguns amigos meus na imprensa entraram em contato comigo e sugeriram que eu fizesse o teste. Daí liguei para o Rod e perguntei se poderia enviar uma demo, e ele disse que sim. Passado um tempo, liguei para ele novamente e ele disse que a banda estava me considerando para a vaga. E então fiquei sabendo pela imprensa que eles haviam escolhido o Blaze. Na época achei que isso foi um tiro no pé, tanto que a banda foi ladeira abaixo depois disso. Curiosamente, hoje sou muito amigo do Blaze, mas sim, acho que eu poderia ter feito um excelente trabalho no Maiden. O mesmo aconteceu comigo quando o Judas Priest escolheu o Ripper Owens. Eu também estava no páreo. Recebi uma carta muito legal do K.K. Downing [guitarrista] agradecendo a minha participação e “blá blá blá, não foi desta vez”. Por mim, beleza. Pelo menos tive uma resposta! 

Você ressuscitou o Grim Reaper em 2006 como Steve Grimmett’s Grim Reaper. Houve problemas legais que o impediram de usar o nome original da banda?
Não, nunca houve, mas uma vez que o Nick não quis fazer parte, criei o Steve Grimmett’s Grim Reaper, para que as pessoas soubessem que ele não estaria no palco com a banda. Seria legal voltar a tocar com ele, mas ele é um cara muito ocupado. Até se juntou a mim em shows que fiz nos Estados Unidos, mas não acho que faremos muito mais do que isso. 

Você está vindo ao Brasil pela terceira vez. O que há de tão legal por aqui e nos fãs daqui?
Vocês, brasileiros, são apaixonados por música! A primeira vez que fui a São Paulo e toquei em um clube da cidade, falei para o promoter: “Olha, vou receber os fãs depois do show para tirar fotos e dar autógrafos”. Eu estava morto, não conseguia me mexer, mas fiquei lá por três horas. Essa paixão, esse amor que vocês têm pela música é impressionante, e eu amo o seu país e os meus fãs que aí vivem. 

A sua banda de apoio será composta por músicos das bandas Hellish War e Brave. Você conhece o trabalho delas?
Conheço ambas as bandas. Vi o Hellish War abrindo para o Armored Saint em São Paulo e participei de uma música do álbum do Brave. São todos ótimos músicos, então os fãs podem esperar por um ótimo show! [Risos] 

Para terminar, qual é o seu recado para quem está de ingresso comprado para ir aos shows?
Obrigado por fortalecerem a cena. Adoro receber o carinho dos fãs nas redes sociais e procuro sempre responder as mensagens que recebo. Depois do show podem apostar que darei autógrafos e tirarei fotos com vocês, porque sem vocês eu nada seria. Muitas bandas se esquecem disso ao longo do caminho, mas eu não. Até breve! 

 

Confira as datas da turnê de Steve Grimmett pelo Brasil: 

  • 21/4 – Sorocaba/SP (16h). Local: Bar da Garagem – Rua Direitos Humanos, 123
  • 22/4 – Pomerode/SC (19h). Local: Wox Club – Av. 21 de Janeiro, 2115
  • 23/4 – São Paulo/SP (16h). Local: La Salsa – Av. Duque de Caxias, 89 – Santa Cecília 

(Texto: Marcelo Vieira, Transcrição: Leonardo Bondioli)