Veja como foi o incrível show do Kiss em Porto Alegre

Em um primeiro momento, a oportunidade de estar presente na End of the Road Tour não me empolgara, pois já havia conferido excelentes e inesquecíveis apresentações do quarteto americano (no Monsters of Rock em São Paulo e as outras duas passagens pela capital gaúcha, em 1999 e 2012). Mas a medida em que a data se aproximava, já com o setlist em mãos e conferindo vídeos das apresentações no Chile e na Argentina, e também pela possibilidade de retornar a um grande evento e reencontrar vários amigos e parceiros que há dois anos eu não via, a empolgação retornou ao já calejado coração rocker e me percebi com a excitação de um adolescente indo para o seu primeiro show ao me dirigir à Arena do Grêmio, local dessa derradeira (será?) apresentação em Porto Alegre. 

E a noite começou de uma forma muito positiva, com a apresentação da banda Hit The Noise. Escalados para fazer a abertura do evento, o quarteto porto alegrense formado por Luciano Schneider (voz), Daniel Sasso (bateria), Leonardo Theobald (guitarra) e Marcel Bittencourt (baixo) conseguiu transformar toda a tensão dessa responsabilidade em um show seguro, leve e muito competente. 

To The Moon, muito bem escolhida para abrir a noite, mostrou ao público o que esperar, um hard ‘n’ heavy com pitadas de stoner, alicerçado por um instrumental forte, pesado e com riffs sabbathicos, base perfeita para o excelente vocal de Luciano, que explora muito bem as notas altas e impressiona pela sua potência.

Na sequência, Sabotaged, Poor Spirit, Eclipse e a inédita Lighter Than Life. Ao encerrarem os seus 30 minutos com a música Crooked, era nítida a satisfação do quarteto pelo dever cumprido e pelo sonho realizado. 

Nesse momento, o clima de expectativa podia ser medido no ar, e os minutos pareciam uma eternidade. Quando a música Rock and Roll do Led Zeppelin começou a tocar nos falantes, dando o start na contagem regressiva para os donos da noite adentrarem o palco, o frisson se generalizou. E depois da célebre introdução “You wanted the best and you got the best. The hottest band in the World… Kiiisss” o grande pano que escondia o palco cai e lá estão eles, cada um na sua plataforma, descendo como se fossem deuses (ou demônios) do rock para trazerem aos seus súditos 2 horas de uma experiência única e extasiante. Ou até mítica, como bem definiu uma amiga em um comentário em uma das minhas postagens. 

Paul Stanley (guitarra e voz), Gene Simmons (baixo e voz), Tommy Thayer (guitarra) e Eric Singer (bateria) estão ali, liderando o Kiss Army em mais uma apresentação impecável, pois tudo funciona perfeita e sincronicamente. Cada movimento, cada momento, cada explosão, cada expressão, cada detalhe tem a sua igual importância para impactar, emocionar e conquistar cada vez mais a sua já imensa legião de fans. 

Quanto ao show propriamente dito, mesmo já sabendo todo o setlist, não há como não ser impactado pela sequência dos quatro primeiros hits: Detroit Rock City, Shout It Out Loud (ambas do excelente álbum Destroyer) e Deuce (do auto-intitulado álbum de estreia) e War Machine (do Creatures Of The Night), que já colocam o mestre Simmons cantando, o que de uma certa forma alivia a responsabilidade sobre a já um pouco cansada voz de Paul Stanley, fazem as 20 mil pessoas presentes se arrepiarem e cantarem a plenos pulmões. 

Heaven’s On Fire (álbum Animalize) e I Love It Loud (também do álbum Creatures Of The Night, com Mr. Simmons novamente comandando os vocais e cuspindo fogo) fazem alguns presentes irem às lágrimas. Para os desavisados, Say Yeah (do álbum Sonic Boom) foi uma surpresa. E lá vem mais explosões, mais pirotecnias, mais fogos e muitas imagens no mega telão no fundo do palco.

 

Na sequência, Cold Gin (outra do álbum de estreia), seguida do solo de guitarra de Tommy Thayer, com direito a disparar fogo da sua guitarra. Seguem com Lick It Up (do álbum homônimo, que já há muito tempo traz no seu arranjo inserções da música Won’t Get Fooled Again, da banda The Who) e Calling Dr. Love (do LP Rock And Roll Over), quando Mr. Simmons fica perguntando ‘do you know why?’ 

Tears Are Falling (de Asylum) é outra que junto com Lick It Up e Heaven’s On Fire contempla a fase mais glam e sem máscara. Na sequência, Psycho Circus (álbum homônimo), que já emenda com o solo de bateria de Eric Singer. É um solo consciente e conciso, que agradou bastante. 100.000 Years nos remete novamente de volta ao primeiro álbum. 

O momento seguinte é único e grandioso, pois o ‘Deus Trovão” (ou seria o “demônio das quatro cordas?”) ‘incorpora’ em Gene Simmons, que faz um solo com o seu ‘instrumento machado’ muito e bem voltado às sensações que os graves podem provocar nas pessoas. A chamada perfeita para introduzir God of Thunder (do álbum Destroyer), quando no auge da sua teatralidade, Gene cospe sangue. 

E se estamos falando de um grande momento deste grandioso espetáculo, agora os holofotes e a atenção de todos se voltam mais uma vez para Paul, que ‘sobrevoa’ o seu exército em uma espécie de ‘tirolesa’ para chegar em um palco secundário montado junto à torre de som, para cantar Love Gun (do álbum de mesmo nome), para delírio total da platéia. Ele ainda pede permissão para ficar naquele palco durante a próxima música, e com a concordância de todos começam os acordes de I Was Made For Lovin’ You (do álbum Dynasty). Quase no final da música, Mr. Stanley faz o caminho de volta para o palco principal. Então é a vez da última música do setlist regular, e Black Diamond (também do álbum de estreia) é tocada com Eric Singer na voz principal, em mais um momento de destaque do baterista. 

E quando a banda se despede, todos sabem que ela vai voltar para o encore (bis). Mas igualmente todos sabem que os momentos finais daquelas duas horas mágicas estão chegando. Então, deixemos o choro da saudade para depois e vamos aproveitar ao máximo o tempo que ainda temos. Se o setlist regular termina com destaque para Eric Singer, o ‘bis’ também começa com o baterista brilhando, sentado a frente de um piano ‘de cauda’ para executar Beth (do álbum Destroyer). As duas últimas músicas são Do You Love Me (também do Destroyer) e a óbvia mas essencial Rock And Roll All Night (única contemplada do terceiro álbum, Dressed To Kill) que encerrou o espetáculo junto à uma chuva de papel picado, muitas explosões, fogo, fumaça, balões, serpentinas, choro, sorrisos, e Paul Stanley quebrando sua guitarra. 

E a saída de cena foi pelas mesmas plataformas que os trouxeram ao palco, mas agora, num caminho contrário, subindo aos céus como verdadeiros “Deuses do Rock’n’Roll” que são. E ao som de God Gave Rock And Roll To You e com a frase “Kiss Loves You Porto Alegre” fixada nos telões, o exército vai se retirando. Em cada soldado, um sorriso no rosto e o sentimento de saudade no coração. Mas em todos, o sentimento de gratidão. Não só por esta noite, não só por este show, mas por toda a sua (quase) cinquentenária trajetória, que ajudou a moldar o nosso gosto musical, o nosso jeito de ser e a nossa visão de mundo. Temos a convicção de que todos gostaríamos de gritar em alto e bom tom e em uma só voz : “Obrigado, Kiss, por terem existido!”

(Texto: Flávio Soares, Fotos: Aline Jechow)