Judas Priest triunfa com coadjuvantes de peso no Rio de Janeiro

Festival  Solid  Rock
KM de Vantagens Hall, Rio de Janeiro/RJ (11/11/2018)

Este vem sendo um ano difícil para as inimigas do Judas Priest. Digo isso não só por conta de Firepower, seu mais recente trabalho, ser o disco de heavy metal do ano – o melhor da banda desde o clássico Painkiller (1990) -, mas também por como mantiveram o show na estrada após o afastamento do guitarrista Glenn Tipton, diagnosticado com Parkinson: seu substituto é ninguém menos que Andy Sneap, um dos mais aclamados produtores da atualidade e principal responsável pelo mastodonte sonoro entregue pelo Priest em março passado. Richie Faulkner (guitarra), Ian Hill (baixo) e Scott Travis (bateria) completam o escrete liderado pelo metal god em pessoa e mestre de cerimônias por excelência Rob Halford.

Quando desembarcou no Rio de Janeiro para o que seria seu penúltimo show em território brasileiro no ano – já havia passado por Curitiba e São Paulo e seguiria para Belo Horizonte, sempre encabeçando o misto de festival e turnê conjunta que atende pelo nome de Solid Rock -, o Judas estava prestes a fazer nada menos que sua 93ª apresentação ao vivo em 2018. Do pontapé inicial dado nos EUA pouco após o lançamento de Firepower, muita coisa mudou no show. Em termos de setlist, muitos experimentos foram realizados e muitas trocas efetuadas conforme o local. Para o público da América do Sul, o Priest incluiu Desert PlainsNight Comes Down, duas pedradas oitentistas do tempo que o chorus era o pedal de efeito da moda. Aliás, se tem algo que a banda sabe preservar no palco é a sonoridade de estúdio: os solos são, na medida do possível, tocados conforme as gravações originais, e o timbre das guitarras busca ao máximo replicar com o aparato de hoje em dia os resultados de outrora.

Se a presença de palco de Hill e Sneap é abreviada – enquanto um, na qualidade de fundador e último remanescente da formação original, sempre foi tão econômico em sua movimentação quanto o é em seu instrumento, o outro, estando ali como um reserva de luxo, se atém a tocar direito, permitindo-se pouco além de interações básicas com a plateia -, o mesmo não se pode dizer de Faulkner, que sobre o palco carrega a banda nas costas. Suas caras e bocas e gestos e infinitas palhetas atiradas a todo instante na direção de fãs que ele parece escolher a dedo só não roubam totalmente o holofote porque ao seu lado está Halford, cuja figura remete ao tempo que a indumentária do heavy metal só era vendida em sex shops: desde a tanga de couro com tachinhas até as diversas jaquetas e capotes, no melhor visual biker sadô-masô. Infelizmente para quem o segue no Instagram, nada de camisetas de gatinhos e unicórnios, por mais atitude que tais roupas signifiquem.

Firepower viu-se representado por sua incendiária faixa-título, pela igualmente direto ao ponto Lightning Strikes e pela dupla medalhista de ouro Rising from Ruins – precedida em fita pela instrumental Guardian – e No Surrender, cuja letra é a declaração motivacional definitiva da banda: não importa o que você está enfrentando, o melhor que se pode fazer é encarar esse desafio, superá-lo e nunca retroceder. Escrita e cantada por um senhor de 67 anos que por acaso é o homossexual mais famoso do heavy metal, coisas como “I’m living my life, ain’t no pretender” adquirem uma aura ativista tão inevitável quanto necessária. “Silêncio é o mesmo que morte”, disse o vocalista em recente entrevista.

A cota de resgates surpreendentes foi preenchida por um número privilegiado de canções oriundas da segunda metade dos anos 1970 e começo dos anos 1980, período no qual a banda forjou sua identidade musical e lançou os álbuns que equivalem ao beabá do heavy metal como nós o conhecemos: The Ripper – ocupando o lugar de Victim of Changes como escolhida de Sad Wings of Destiny(1976) – Sinner, Running Wild e Grinder, esta última para mostrar para os incrédulos que o clássico British Steel (1980) vai muito além da dobradinha de singles Breaking the Law e Living After Midnight,ambas tocadas no bis platinado que em ocasiões passadas trouxe Glenn para uma breve porém emocionante aparição. Nunca mais. Ou até os médicos dizerem o contrário.

Obviamente, faltaram alguns sons que só quem está ligado no setlist.fm sabia da possibilidade de serem tocados, como Bloodstone, Saints in Hell e o manifesto antinazista Evil Never Dies, todas experimentadas em algum momento e ovacionadas por plateias dos quatro cantos do mundo. Beyond the Realms of Death e Diamonds and Rust, cadeiras cativas há um bocado de tempo, também ficaram de fora. Mas não houve espaço para tristeza ou reclamações; exceto, é claro, da parte daqueles que dependem do transporte público para voltar para casa do cu de mundo que é a Barra da Tijuca. Só com muita bênção do deus Metal mesmo.

A noite contou ainda com a abertura do Black Star Riders e com a volta do Alice in Chains ao Rio de Janeiro passados cinco anos desde o show no Rock in Rio.

Para quem não conhece, o BSR nada mais é que a ramificação mais recente da árvore genealógica do Thin Lizzy. Em sua formação, ninguém menos que o guitarrista Scott Gorham. Na segunda guitarra, o também celebrado Luke Morley, do Thunder. No baixo, Robbie Crane, o topa-todas que já fez parte de tudo que é banda do segundo escalão do hard rock, inclusive do Ratt. O batera, Chad Szeliga, é outra adição recente: direto das fileiras do Breaking Benjamin para o banquinho antes ocupado pelo cavalar Jimmy DeGrasso. Cantando e tocando terceira guitarra ou violão quando necessário, o estivador Ricky Warwick, num esforço hercúleo para tentar soar como o saudoso Phil Lynott, ainda que a música do BSR, um muro de concreto em relação ao som do Lizzy, não peça isso. Exemplo clássico de banda que soa mil vezes melhor ao vivo que em estúdio, em pouco mais de 40 minutos o quinteto fez um apanhado de seus três álbuns – todos lançados no Brasil, diga-se de passagem -, além de duas odes ao velho TL, com as imortais Jailbreak e The Boys Are Back in Town, cujo humor de Internet verteu em “Tem bois no meu quintal”. Um show maior num lugar menor não seria má ideia. Ah, e com o volume um pouco mais baixo também!

Na sequência, foi a vez do Alice in Chains subir ao palco. No que seria seu último show em 2018, Jerry Cantrell (guitarra e vocais), Mike Inez (baixo), Sean Kinney (bateria) e William DuVall (vocais e uma guitarra ou outra) foram econômicos, mas eficientes: tendo diversas possibilidades de escolha para uma hora e pouco de música, priorizaram os singles, obviamente – Man in the Box, Would? e um encerramento peculiar com Rooster, mas acertaram em cheio o coração dos entusiastas dos lados b ao incluírem It Ain’t Like That na parada. Mesmo do recém-lançado Rainier Fog só as músicas de trabalho The One You Know e Never Fade foram executadas. Apesar da quantidade de camisetas – muitas das quais compradas na hora ao valor de 100 reais a peça -, a empolgação do investimento não se materializava nas respostas do público, que vira e mexe era incentivado – às vezes sob olhares impacientes – por William e Jerry a cantar junto, mais alto, bater palmas, enfim, dar qualquer sinal de vida que não fosse uma paralisia boquiaberta diante do que para muitos era o equivalente a um sonho realizado. Para o roqueiro carioca, o Grunge não morreu. Faltou, porém, mostrar de outra maneira – da maneira correta para um show – que está vivo e passa bem.

(Marcelo Vieira)