Johanna Sadonis fala sobre o novo álbum do Lucifer e a volta ao Brasil

Quer assistir ao show do Lucifer de graça com dois amigos e ainda confraternizar com a banda no backstage? É simples: basta levar um caixão ao local do show, e sua entrada estará garantida, conforme revelou a vocalista Johanna Sadonis na entrevista abaixo. A banda, completada por Martin Nordin (guitarra), Linus Björklund (guitarra), Harald Göthblad (baixo) e Nicke Andersson, líder do The Hellacopters e marido de Johanna, fazendo as vezes de baterista, retorna ao Brasil para apresentações no Rio de Janeiro (05/10), São Paulo (06/10) e Belo Horizonte (08/10). A turnê promove “Lucifer V”, quinto álbum de estúdio, lançado em janeiro e já apontado por Johanna como o seu favorito na discografia. A conversa, no entanto, vai além desses tópicos, incluindo reflexões sobre influências musicais, exemplo e legado.

Rock Brigade: Como você se sente em voltar ao Brasil com a turnê “Satanic Panic Tour”?

Johanna Sadonis: Muito animada. Mal posso esperar para sair do frio da Suécia, porque o verão acabou. Nos últimos dois dias, começou a esfriar bastante!

 Quais são suas expectativas para os shows?

É engraçado porque os jornalistas sempre me perguntam isso, e eu nunca sei o que responder. E falei com o Nicke sobre isso. Tipo, qual é a resposta certa? Então, vou devolver a pergunta para você. Quais são suas expectativas? 

Um show repleto de energia. Músicas dos cinco álbuns. Talvez tenha uma pequena surpresa aqui e ali…

Ok. O Lucifer vai garantir isso. [Risos.] 

Como foi sua experiência de tocar no Brasil pela primeira vez? Quais memórias se destacam da vinda para cá em 2022?

Nos divertimos bastante porque tivemos alguns dias de folga no Brasil. Então, não foi só tocar para um público muito animado — porque as pessoas na América Latina são muito mais extrovertidas e apaixonadas quando vão a shows. Então é muito mais divertido, porque você realmente se comunica com seus sentimentos. Quando você toca na Alemanha ou na Holanda, as pessoas podem ser muito rígidas e reservadas, e não demonstram muita empolgação. Às vezes, você tem uma plateia assim [cruza os braços], e isso é horrível. Então, é bom ter pessoas que estão dando o máximo de si para se divertir. Também curti muito ficar sentada na praia bebendo água de coco. Foi incrível! E eu quero repetir isso.

Como é sua rotina durante uma turnê? O que você gosta de fazer nas cidades que visita quando não está no palco?

Eu geralmente tento visitar um cemitério, ou talvez alguma igreja bonita. Tento experimentar a comida local, descobrir qual é o melhor lugar para comer algo bem tradicional. Gosto de ver coisas que sejam importantes ou culturalmente interessantes. Assim, posso levar uma memória, sabe, de um lugar bacana. Eu adoro construções e prédios antigos. Mas às vezes é meio chato quando você não tem tempo para fazer isso. Quando o cronograma é apertado, como [será] no início da turnê pela América Latina, por exemplo. Vamos para Buenos Aires, e depois do show, dormiremos por três horas. Acordaremos às quatro da manhã, voaremos para o Chile, faremos a mesma coisa. E aí você não consegue ver nada. Isso é meio chato. Você olha pela janela do avião e pensa: “belas montanhas!”. Depois pega o táxi do aeroporto para o hotel. E acaba não vendo muita coisa. Normalmente, saímos para jantar ou almoçar, se tivermos sorte. E se o local do show for perto de algo interessante, dá para passear um pouco. É por isso que adoro quando temos dias de folga. Acho que teremos alguns dias de folga no Brasil desta vez também. 

O álbum mais recente do Lucifer foi lançado em janeiro deste ano. Como você avalia a evolução sonora da banda desde o início até “Lucifer V”? Quais elementos você acha que permaneceram consistentes e quais evoluíram?

Bem, o primeiro álbum [“Lucifer I” (2015)] era muito mais doom, com algumas influências psicodélicas dos anos 1970. Depois mudamos de formação e o Nicke entrou na banda, e quando começamos a compor, a fatia do doom começou a diminuir. Ainda está lá, mas não tanto quanto o resto, que é mais hard rock setentista. Tem algumas influências de heavy metal, até um pouco de soul. Proto-metal. Ouvimos muita coisa diferente que acaba fluindo para a música. Eu não acho que o Lucifer tenha mudado muito drasticamente, mas é engraçado. Outro dia vi um vídeo no YouTube onde alguém estava rankeando nossos álbuns [do pior para o melhor]. Fui ler os comentários, e foi engraçado porque todo mundo tinha uma opinião diferente. Então, é super confuso. Acho que não mudamos tanto, sempre tivemos esses ingredientes um pouco pop nas composições, mas ainda sendo metal, sendo doom, sendo rock dos anos 1970. São todos esses elementos, só que em diferentes proporções, que vão mudando. Eu diria, no entanto, que o último álbum, “Lucifer V”, é o meu favorito de todos.

Temas recorrentes nas letras do Lucifer, como ocultismo e espiritualidade, continuam presentes em “Lucifer V”. Há outros temas específicos que você explorou mais profundamente nesse álbum?

Eu diria que, em geral, todas as letras realmente vêm do coração. São muito sinceras, com muitas histórias pessoais. Então, pode ser que eu tenha tido um relacionamento horrível com alguém, um ex-namorado, um amigo muito próximo. Tudo isso entra nas músicas do Lucifer. Mas talvez, no último álbum, eu sinta que a escrita vai um pouco mais fundo no meu coração de alguma forma. Talvez seja porque, quando você aprende a escrever, talvez fique, espero, um pouco melhor a cada vez. É como construir uma cadeira de madeira; quando você fizer a quinta cadeira, ela será melhor que a primeira. E acho que é assim com a composição. Então talvez a gente aprenda a se expressar melhor. E talvez também, quando você fica mais velho, não se importe tanto com o que as outras pessoas pensam sobre expor suas emoções. Acho que se torna mais fácil sofrer publicamente. 

Meu momento favorito do álbum é o single “Maculate Heart”. Qual é a história por trás dessa música?

No disco eu escrevi todas as letras, exceto “Maculate Heart”. Essa é a única letra que o Nicke escreveu. Só sugeri o título porque ele queria chamar a música de “Bring It On”. E eu disse: “não, isso é muito simples. Não é mórbido o suficiente. Vou chamá-la de ‘Maculate Heart’ [‘Coração Maculado’], porque é um jogo de palavras com ‘Immaculate Heart’ [‘Coração Imaculado’]. Mas acho que o Nicke escreveu essa letra como algo desafiador, tipo, “vem, se quiser me enfrentar, manda ver”. Às vezes a vida te joga muitos obstáculos e coisas horríveis. Acho que foi isso que ele quis dizer. 

Vocês sempre mencionam a importância da gravação analógica para capturar a “vida” da música. Como essa escolha se alinha com sua visão geral para o som da banda?

Não somos fãs de produções supermodernas. Muitas bandas de rock e metal hoje em dia usam computadores para fazer muito do trabalho, ou para fazer a produção soar muito pasteurizada e perfeita. Mas eu sou uma fã de música, e o que quero da música é sentir que a pessoa que canta e toca realmente passou por aquilo. E acho que você sente isso melhor numa produção old school, porque às vezes você ouve pequenas falhas e ruídos, e isso soa mais orgânico e humano. E é por isso que sou contra toda essa bobagem de IA… Vejo que a IA é útil para outros campos de trabalho, mas para coisas criativas, você não pode reproduzir emoções humanas. Um computador nunca terá passado por aquele desgosto ou pela morte de alguém. E, se você é fã de música, não é incrível quando você ouve uma música e pensa: “uau, essa música se encaixa exatamente no que estou passando agora”? Mas se um programa de IA cuspiu essa música, você não se sente conectado a ela, porque não é real. Então acho que isso se traduz para a gravação ao vivo no estúdio, porque é orgânico. 

Como você garante que a apresentação visual da banda complemente e melhore a experiência musical ao vivo?

Eu não sei se melhora ou se piora. [Risos.]

Há algum elemento visual ou conceito que você considera particularmente poderoso?

Sim, na última turnê pela Europa, eu comprei um caixão, um caixão de verdade. Comprei para mim mesma. É ótimo porque agora o Nicke não precisa comprar um quando eu morrer. [Risos.] Mas, na verdade, é legal ter um caixão no palco porque, de certa forma, sou uma pessoa meio insegura. Sei que não parece, mas sou tímida. E quando você só tem um microfone, sem uma guitarra para se esconder atrás, às vezes bate um pouco de insegurança. Por exemplo, você faz parte de alguma banda? 

Eu costumava tocar guitarra em uma banda.

Ok, mas e se de repente você estivesse no meio do palco, só com o microfone na mão, tendo que entreter todo mundo? Pode ser uma experiência não muito agradável. Então percebi que o caixão é ótimo, porque muitas das músicas falam sobre pessoas. Assim, eu posso interagir com o caixão: posso cantar para ele, sentar nele, chorar sobre ele, tomar uma taça de vinho e brindar. Dá para brincar com isso, e eu amo. As pessoas ficam um pouco surpresas, porque costumo colocá-lo na frente do palco, bem na minha frente. A galera quer tocar e tal. Acho que todo mundo consegue se relacionar com o que o caixão simboliza. Estou meio triste porque, quando formos ao Brasil, não poderei levar o caixão. Então, fica o aviso para todos os donos de caixões por aí: se trouxerem um caixão para o show, coloco você e mais dois amigos na lista de convidados. Além disso, podem confraternizar comigo no backstage, se quiserem. 

Você já falou muito sobre suas grandes influências musicais, mas quais bandas mais obscuras ou menos conhecidas te inspiraram ao criar o som do Lucifer?

[Pensativa] Bandas menos conhecidas… Existem tantas coisas diferentes que amamos. Primeiro, todos nós crescemos nos anos 1990, com música extrema — death metal, black metal, doom metal e todo esse tipo de coisa. Eu era muito fã do Danzig quando adolescente e ainda sou. Mas também havia outras coisas que eu adorava. Você conhece Dead Can Dance? É um duo dos anos 1980 e 1990, meio espiritual. Parece… eu odeio o termo “world music”, mas soa como uma espécie de. Eles criaram sua própria linguagem para cantar, e às vezes soa muito sombrio. Também tem uma banda grega chamada Aphrodite’s Child, que eu achava muito legal. Existem diferentes referências. Pode até ser uma trilha sonora de filme, sabe? E pode ser algo que todo mundo conhece. Eu, por exemplo, adorava Type O Negative quando era adolescente. E, sim, falando de bandas underground, há muitas, de todos os cantos possíveis. Bandas obscuras de rock, como o Bloodrock, dos anos 1970… Enfim, são milhões de bandas. 

Quais são os maiores desafios e os maiores prazeres de ser a vocalista de uma banda de rock?

Às vezes é difícil ser mulher em uma banda, porque nem sempre você é tratada da mesma forma, o que pode ser uma coisa boa ou ruim. Eu diria que o pior é quando você não é tratada de igual para igual com os homens, quando as pessoas pensam: “Ah, porque ela é mulher, provavelmente é o marido dela quem faz tudo”. Quando não te levam a sério. As pessoas assumem que, por eu ser mulher e ter cabelo loiro ou algo assim, sou uma lesada. Isso é irritante, é a pior parte. E a parte boa? Tem parte boa? [Risos.] Ah, sim, outra coisa chata é que, como mulher, eu sempre tenho que me maquiar para os shows, enquanto os caras só precisam pentear o cabelo e pronto. [Risos.] 

Você se considera um modelo para outras mulheres que querem seguir uma carreira na música?

Nunca pensei em mim como um modelo, porque sempre me sinto como se não fosse ninguém, sabe? Admiro outras mulheres que vieram antes de mim, que estão na música. Sou muito fã das Runaways, de Patti Smith, do Blondie… Há muitas bandas legais com mulheres, como Girlschool, L7, The Donnas. Eu amo todas essas bandas. Sou apenas uma fã de música. Nunca pensei em mim como um modelo. Como eu disse, não sou ninguém. Mas se, de alguma forma, eu motivar uma garota que está começando no rock, se ela pensar: “Ah, se ela está fazendo isso, então talvez eu também possa”, isso é muito legal. 

Qual álbum mudou sua vida?

“Danzig III: How the Gods Kill”.

Qual é sua música favorita de todos os tempos?

São muitas, mas uma das minhas favoritas é “A Whiter Shade of Pale”, do Procol Harum. Porque soa muito bonita, mas, se você prestar atenção na letra, é bem mórbida. E esse tipo de captura de beleza mórbida me atrai muito. 

Como você gostaria que o Lucifer fosse lembrado na história do rock?

Bem, se duas pessoas lembrarem de nós, já está ótimo! [Risos.] 

Por fim, que legado você, Johanna, espera deixar com sua música?

Uau, essas são perguntas que eu nunca pensei em responder. Como eu disse, sempre me sinto como uma fã de música, assim como você. Não faço ideia do que dizer. Espero que os álbuns não tenham sido feitos em vão. Espero que, talvez, pelo menos duas pessoas continuem ouvindo-os. [Risos.]

Por Marcelo Vieira