Tomi Koivusaari revela detalhes de álbum ao vivo do Amorphis  

Quando o mundo parou, o Amorphis recusou-se a fazer o mesmo. Os finlandeses arrumaram seus equipamentos, se instalaram num Tavastia Hall vazio e realizaram uma impressionante apresentação única do aclamado “Tales from the Thousand Lakes” (1994) como se estivessem diante de milhares de pessoas. Lançado em junho em Blu-ray, CD e vinil, “Tales from the Thousand Lakes – Live at Tavastia” (Atomic Fire Records) é um testemunho do compromisso inabalável de Tomi Joutsen (vocais), Tomi Koivusaari (guitarra), Esa Holopainen (guitarra), Santeri Kallio (teclados), Olli-Pekka Laine (baixo) e Jan Rechberger (bateria) e ao fato desconcertante de que, de alguma forma, os seis fazem seus clássicos soarem ainda melhor ao vivo. Para falar sobre isso e muito mais, ninguém melhor do que Koivusaari. 

Rock Brigade: Este novo ao vivo celebra o 30º aniversário de “Tales from the Thousand Lakes”. Quais são suas reflexões pessoais sobre o impacto e o legado do álbum três décadas depois?

Tomi Koivusaari: Bem, acho que “Tales…” é um álbum muito importante para nós, obviamente. E claro, se você o ouve, o som é um pouco datado, mas ao mesmo tempo, muito único. E acho que isso combina com o álbum. Nós regravamos algumas das músicas mais tarde [na compilação “Magic & Mayhem – Tales from the Early Years” (2010)], mas prefiro manter o original como ele é. E é isso que gosto em todos os álbuns clássicos que escuto; mesmo quando remasterizados, prefiro as mixagens originais.

 Olhando para os primeiros dias do Amorphis, há algo que você teria feito de forma diferente na gravação ou produção de “Tales…”?

Acho que não. Creio que tudo o que aconteceu, aconteceu por um motivo. Se havia algo que não gostávamos, tentávamos fazer diferente no próximo álbum. Então, é importante que as coisas sejam como são. É inútil pensar no que poderíamos ter feito melhor. Nós éramos muito jovens na época e não sabíamos muito sobre gravações em estúdio. Confiamos no produtor, e pronto. Todo o processo foi muito rápido. Fizemos todas as gravações e mixagens em cerca de uma semana e meia em Estocolmo. Foi muito rápido.

O fato de o quarteto original estar de volta desde que o baixista Olli Pekka Laine retornou em 2017 influenciou na decisão de celebrar este 30º aniversário?

Na verdade, estávamos planejando celebrar os 30 anos da banda, mas a pandemia veio e tivemos que cancelar mais de 100 shows.

“Tales…” é considerado um álbum marcante para o Amorphis e o metal finlandês. Como a criação desse álbum diferiu do processo criativo atual da banda?

Hoje em dia, temos nosso próprio estúdio, então as músicas estão mais prontas quando as apresentamos aos outros. Fazemos demos propriamente ditas. Mas naqueles dias, trazíamos alguns riffs para o local de ensaio e começávamos a tocar e a ver como se encaixavam. Era mais intuitivo, sem tanto planejamento. Eram outros tempos. 

Tocar “Tales…” ao vivo na íntegra deve ser uma experiência especial…

Bem, claro que tocamos todas essas músicas ao vivo; sempre temos algumas do “Tales” no setlist. E já fizemos alguns shows de aniversário. Então, as músicas ainda estão na memória muscular. Não tivemos que reaprendê-las. Mas tocar o álbum inteiro do começo ao fim foi divertido. É diferente montar um setlist de show comparado a tocar um álbum inteiro na ordem. Mas este show não teve público por causa da Covid, então não foi tão ruim.

Você poderia falar sobre os desafios ou a empolgação de tocar ao vivo algumas músicas menos conhecidas do álbum?

As músicas que não tocamos tanto são as mais divertidas de tocar porque ainda têm um frescor. Não diria que estamos de saco cheio, mas algumas músicas, como “Black Winter Day”, só são divertidas por causa da interação com o público. Mas nos ensaios, às vezes pensamos, “Sério que temos que ensaiar ‘Black Winter Day’?” [Risos.] Então, é diferente.

Dadas as circunstâncias, a gravação enfatiza a força bruta e a profundidade emocional da performance. Vocês abordaram essa performance de forma diferente, sabendo que seria gravada?

Não muito. A principal diferença foi porque, como eu disse, estávamos na pandemia, então não tínhamos público. Isso foi estranho, como todas as lives que fizemos na época. Parece um pouco engraçado tocar sem público, mas essa foi a maior diferença. Claro, esperávamos que o show ao vivo tivesse público. Fizemos alguns shows na época, com máscaras e limitações de público, mas não quero lembrar desses tempos. Espero que não haja outro vírus. 

A filmagem adicionou alguma pressão adicional à performance?

Nem tanto. Talvez antes de começar você fique um pouco mais estressado, pensando em não cometer erros. Mas quando você toca a primeira nota, deixa rolar. É o mesmo que nas performances ao vivo sem propósito de registro. Sempre fico um pouco nervoso antes, mas quando começa, isso passa. 

Há planos de tocar “Tales…” ao vivo novamente no futuro, talvez em festivais ou outros eventos especiais?

Bem, esperamos que sim. Não sei o que vai acontecer depois que gravarmos o novo álbum. Não sei quanto do próximo ano está planejado. Talvez possamos fazer isso, mesmo que não seja 30 anos, pode ser 31 ou 32 anos. Por que não? 

Você pode compartilhar algum detalhe sobre a direção musical que está explorando para o novo material?

Não, porque ainda não ouvi o que os outros fizeram. Só ouvi o que eu fiz. Ainda não compartilhamos as ideias. Mas teremos um novo produtor, embora eu não vá dizer quem é agora. Não é mais o Jens [Bogren]. Não porque não gostamos de trabalhar com ele, gostamos, mas fizemos três álbuns juntos e sempre começamos a buscar algo novo. 

Amorphis deriva do grego “amorphous”, que significa sem forma definida. Quanto você acha que o nome traduz a essência da banda?

Bem, na verdade, por acaso, acho que combina muito. Pelo menos nos tempos mais primórdios, mudávamos bastante. E foi bom não termos adotado um nome mais típico de death metal na época. Acho que combina com nossa música até hoje. 

O Amorphis começou como uma banda de death metal e death-doom, e mais tarde incorporou outros estilos, como metal progressivo, death metal melódico e folk metal. Se você fosse classificar a banda, qual seria o rótulo mais apropriado?

Não sei. Nunca gostei desses rótulos. Não acho que somos tão progressivos, nem tão folk. Prefiro pensar que soamos como Amorphis. Se você categoriza demais, pode se limitar na criação de novas coisas. É difícil dizer. Temos muitas influências diferentes. Não estamos tentando ser uma banda gótica ou algo assim. Para algumas bandas é mais fácil, como AC/DC ou Slayer. Mas fizemos tantos tipos diferentes de músicas ao longo dos anos que é difícil colocar em uma só categoria. 

As letras da banda são sempre baseadas na mitologia finlandesa, especialmente no Kalevala. O que você acha que é tão único sobre ela que continua inspirando a música do Amorphis depois de mais de três décadas?

No começo, percebemos que era uma ideia única porque nenhum de nós estava muito interessado em escrever letras. No primeiro álbum [“The Karelian Isthmus” (1992)], os temas eram típicos de death metal, antirreligiosos, guerras, ou livros que estávamos lendo na época. Então, o Kalevala parecia algo nosso e ninguém usava isso antes de nós, pelo menos em bandas de metal. Ao mesmo tempo, começamos a ouvir diferentes tipos de música folk de vários países. Então, combinou muito bem ter letras desse mesmo universo. Não é mais diretamente do livro, mas ainda é inspirado por ele. Alguns temas são muito atemporais e se encaixam perfeitamente. 

Por que você parou de cantar gutural?

Eu nunca gostei muito. [Risos.] Um dia percebi que não queria estar nessa posição. Sempre me vi mais como guitarrista. Foi acidental porque eu era o único que conseguia fazer o gutural. E eu não consigo cantar. Então, começamos a pensar que precisávamos de vocais limpos para levar as músicas mais adiante, não só guturais. Minha garganta doía nas turnês, não conseguia falar. Conseguia fazer o gutural, mas não conseguia falar. No início foi divertido, mas não tenho uma técnica boa como o Tomi [Joutsen], nosso vocalista, que consegue fazer notas longas e poderosas com gutural. 

Em dezembro passado, você lançou seu primeiro álbum solo, “Björkö”.

Opa, sim, bora fazer propaganda! [Risos.] Este é “Björkö”, meu álbum. Tem diferentes vocalistas como Jeff [Walker] do Carcass, Shagrath do Dimmu Borgir, Marko Hietala e outros.

O propósito deste álbum foi explorar estilos ou temas que não se encaixam na fórmula do Amorphis?

Bem, há algumas semelhanças, porque seria difícil não haver, já que estou no Amorphis há 34 anos. Mas as músicas são diferentes; não consigo imaginá-las como músicas do Amorphis. E isso também surgiu na época da Covid, quando tivemos que cancelar shows. Precisava fazer algo, então comecei a trabalhar nisso. Os outros caras também fizeram seus projetos solos. Foi um período produtivo.

Como foi a experiência de tocar no Summer Breeze Brasil com o Amorphis?

Foi ótimo. Foi um grande festival, com muitas pessoas e boas bandas. Foi muito legal. 

A banda teve interações memoráveis com os fãs brasileiros durante o tempo no país?

Claro. Conhecemos muitas pessoas legais. Sempre é bom estar no Brasil e na América Latina em geral. Especialmente quando é inverno ou primavera na Finlândia, ainda com neve. É bom estar em um lugar mais quente. Eu gosto de calor.

Por Marcelo Vieira; Foto: Jaakko Manninen / Divulgação