Alma do Twisted Sister arrasa SP

Tom  Brasil, São Paulo, 23 de março de  2019.

Como vocalista do Twisted Sister, Dee Snider trabalhou tão pesado quanto a música que tocava, evitou o estilo de vida de excessos que destruiu a carreira de muitos de seus pares e sobreviveu às reviravoltas da indústria com suas prioridades e senso de humor intactos. A razão dessa força e foco? Sua esposa, com quem é casado desde 1981, seus quatro filhos e milhões de SMFs ao redor do mundo.

Ano passado, Dee saiu de uma quase-aposentadoria e nos presenteou com For the Love of Metal, disco nota 11 que entrou na lista de melhores de 2018 de muita gente e prova de que, no auge de seus 60 e poucos anos, o cara ainda tem muito a contribuir com o gênero que décadas atrás ajudou a estabelecer as bases. E faz isso de uma maneira ímpar, através de um som moderno o suficiente para cativar a molecada que acha um barato bater cabeça ao som dos Bullet for My Valentine da vida, mas com uma abordagem que preserva um quê de clássico, necessário para manter por perto os ouvintes de longa data e idade mais avançada.

Sem vir ao Brasil desde 2013, quando o Twisted Sister encerrou a terceira e última edição do saudoso Live ‘N’ Louder, Snider tirou o atraso na última semana, com apresentações em Curitiba (leia aqui como foi) e São Paulo, antes de seguir para Chile, Argentina e onde mais sua presente turnê o levasse. Se no começo da noite, com boa vontade seria possível contar o número de presentes – “tem mais fotógrafo que público aqui”, disse um colega -, quando Exciter, do Judas Priest, a canção da deixa, explodiu nos alto-falantes e as luzes da casa se apagaram, era como se um milagre tivesse sido operado. Ainda longe de sua capacidade máxima, o Tom Brasil foi tomado por uma multidão barulhenta e participativa.

Quando Dee, fazendo as vezes de um titã primordial do rock, subiu ao palco, levou embora as almas e os limites de todos. Não havia mais amarras, mais preocupações, chuva do lado de fora; e assim seria pela hora e dez seguinte, com alternância entre números de For the Love of Metal e clássicos do Twisted Sister, além de um lembrete do miúdo Widowmaker, grupo do qual fez parte no começo dos anos 1990 cujo maior mérito e consequente ruína foi tocar um som muito à frente do seu tempo.

Fotos: Leandro Almeida

A partida nos motores foi dada com Lies Are a Business (do videoclipe dirigido pelo brasileiro Léo Liberti) e Tomorrow’s No Concern. “If you’re ready to kick some ass, I’m Dee fucking Snider”, vociferou ao fim desta, que seria executada novamente no bis para gravação de um videoclipe. No telão, o que parecia ser uma apresentação de Powerpoint com fotos recentes de Snider repetia-se ad nauseam e sinalizava certas restrições orçamentárias. Por outro lado, há tempos eu não via iluminação tão boa num show: cada música era acompanhada por um esquema de cores diferente. Com o palco todo em tons de vermelho, Dee questiona: “Are you ready to burn in hell?”. Ah, se ele soubesse o inferno que tem sido viver no Brasil ultimamente…

O refrão final de American Made virou “Brazilian Made”. Duas vezes no decorrer da noite, Snider menciona o quanto gostaria de saber falar português. O barulho feito pelo público em We’re Not Gonna Take It foi tanto que rendeu um sonoro “HOLY SHIT!”. Enquanto Ready to Fall do Widowmaker foi dedicada aos verdadeiros fãs de Dee Snider – leia-se aqueles que conhecem até as notas de rodapé de sua carreira -, The Price converteu-se num emotivo tributo aos ídolos do rock que nos deixaram. No telão, desde Bon Scott até Chester Bennington. Ao final da música, um retrato em preto e branco de A.J. Pero e uma dedicatória ao eterno baterista do Twisted Sister, que nos deixou em 2015. Perdas recentes como Bernie Tormé (guitarrista que tocou com Dee no breve Desperado) também foram lembradas.

Com as emoções à flor da pele e os olhos levemente marejados de lágrimas viris, recebemos Become the Storm, que é, provavelmente, a melhor de For the Love of Metal. “Sometimes we suffer, that’s how we get tougher”, diz a encorajadora letra. Encerraram o tempo regulamentar Under the Blade (canção sobre entrar na faca que o PMRC de Tipper Gore entendeu errado nos anos 1980) e I Wanna Rock,cujo refrão no formato chamada e resposta foi repetido à exaustão como um mantra. Se bem que a atmosfera estava mais para culto pentecostal do que qualquer outra coisa.

O bis veio com um repeteco de Tomorrow’s No Concern (aguardemos o tal videoclipe!) e For the Love of Metal, a declaração de amor final. Não rolou Highway to Hell, como em Curitiba, mas quem ousaria se queixar disso? A única queixa fica por conta da duração mesmo: 1h10, menos tempo que show de praça de alimentação de shopping. Em sua autobiografia Shut Up and Give Me the Mic, Snider escreve que o artista que deixa o palco sem estar totalmente esgotado é porque não deu o máximo de si. Apesar do gostinho de quero mais, de maneira alguma nos sentimos enganados ou feitos de trouxa.

Secret Society abrindo para Dee Snider (Foto: Leandro Almeida)

Abrindo a noite, a banda Secret Society tocou o que meus ouvidos entenderam como um “pós-pós”: alternativo demais para quem é do hard rock e pesado demais para quem é do alternativo. A fúria do vocalista, que se dirigia ao público como um comensal da morte, era o principal ingrediente, mas a sensação de pedalar uma bicicleta ergométrica – leia-se “uma viagem sem ida” – era constante. Climas se sucediam conforme o guitarrista acionava diferentes pedais de efeito e todo o aspecto visual tornava multissensorial a experiência. A microfonia era usada como recurso, a referência ao Danzig era constante, a banda se soltava conforme a apresentação progredia. Uma introdução lembrava a outra e todas lembravam Love Hate Love do Alice in Chains. Abrindo para um Sisters of Mercy teria sido bom demais. Para Dee fucking Snider era melhor ter chamado o Kiara Rocks. Mentira.

(Marcelo Vieira)