John Corabi, ex-Mötley Crüe, dá prévia de show em SP

Músico com uma carreira diversificada e repleta de experiências marcantes, John Corabi encontrou sua vocação desde tenra idade. Inspirado pela evolução dos Beatles, sua jornada musical teve início com a determinação de estar em uma banda, alimentada pelo impacto das performances televisivas do Fab Four. Essa paixão o levou de sua cidade natal, Filadélfia, para a vibrante cena de Los Angeles dos anos 1980, onde mergulhou na energia criativa da época.

Uma experiência inicial marcante com o The Scream o levou a novos patamares na indústria. Sua posterior decisão de se juntar ao Mötley Crüe foi um ponto crucial, influenciado por uma combinação de fatores, incluindo a oportunidade de sustentar sua família e a busca por novos horizontes profissionais. Essa mudança representou um marco em sua carreira e abriu portas para novas oportunidades.

Após várias aventuras, incluindo projetos como o ESP e o Union, Corabi encontrou um lar no The Dead Daisies, onde a dinâmica colaborativa e a liberdade criativa o inspiram. A banda representa uma síntese de talentos individuais sob a liderança de David Lowy, onde todos contribuem igualmente para a criação musical. Além disso, sua autobiografia, “Horseshoes and Hand Grenades”, oferece uma visão fascinante de sua vida e carreira, revelando histórias nunca antes compartilhadas e proporcionando uma jornada terapêutica de autoexpressão.

De malas prontas para voltar ao Brasil como uma das atrações da Hard N Heavy Party, em São Paulo, Corabi tocou em todos esses assuntos e muito mais na conversa abaixo.

Rock Brigade: Gostaria de começar nossa conversa pedindo para você compartilhar se teve algum momento crucial de sua infância que moldou sua paixão pela música e o levou a seguir uma carreira de músico.

John Corabi: É engraçado. Sei que muitos músicos provavelmente respondem isso, mas acho que o que realmente abriu meus olhos e ouvidos para a música foi um programa de TV que reuniu todas as performances dos Beatles nos Estados Unidos; da primeira, no The Ed Sullivan Show [em fevereiro de 1964], a uma posterior em que tocaram “Ticket to Ride” e depois “Hey Jude”. Eu vi esse programa, e obviamente reparei na empolgação dos fãs. Mas o que mais me intrigou foi a evolução deles. No começo eles vestiam terno e gravata e tinham cabelos curtos e depois, conforme amadureciam, pareciam mais com isso [aponta para si], com barbas e cabelos compridos. E eu fiquei fascinado com isso. A partir daí, comecei a ouvir a música deles, a tentar aprender a tocá-las, e só pensava em estar em uma banda, custe o que custar.

Como foi a transição da Filadélfia para Los Angeles durante o auge da cena do metal nos anos 1980?

Foi incrível, porque LA estava muito, muito aberta para música autoral. Na Filadélfia, a maioria dos clubes estava mais focada em bandas cover. Então fui para LA e, chegando lá, havia uma porção de bandas tocando música autoral. Hurricane, Poison, Guns N’ Roses, L.A. Guns, Stryper, Great White. Todas ainda se apresentavam nos clubes, mas todas tocavam músicas autorais. Além do mais, o clima era incrível. Mas foi meio difícil estar a milhares de quilômetros de distância da família e dos amigos. Me senti começando do zero. Foi particularmente difícil para minha ex-esposa e meus filhos. É aquilo: há sempre um lado ruim para tudo. Mas eu me diverti muito. Tirei o melhor proveito disso.

Embora você tenha feito parte de outras bandas anteriormente, pode-se dizer que sua primeira experiência importante foi com o The Scream, certo? Como foi essa experiência inicial e de que maneiras ela influenciou sua trajetória?

Você pode transar com um milhão de garotas na vida. Você sempre vai se lembrar da primeira. O The Scream é como se fosse isso; éramos quatro caras que nunca tinham tido um contrato de gravação, um contrato com uma grande gravadora. Fizemos a nossa primeira turnê em um ônibus apropriado juntos. Nossa primeira viagem internacional, para a Inglaterra. Tocamos no Astoria Theatre. Então foi isso; foi a nossa primeira vez, então foi muito especial e inesquecível. Acho que quanto à trajetória, todo mundo sabe que isso meio que me levou a me juntar ao Mötley Crüe, então foi o primeiro passo em uma carreira muito longa.

O que você acha que impediu o The Scream de fazer mais sucesso?

Eu diria que minha ida para o Mötley Crüe. Ainda estávamos fazendo turnê em apoio a aquele primeiro álbum [“Let It Scream” (1991)] quando Nikki [Sixx, baixista] e Tommy [Lee, baterista] me ligaram. E estávamos indo muito bem, para falar a verdade. Estávamos em vias de vender muitos discos, às vésperas de uma ida para a Europa com Love/Hate e L.A. Guns. Mas recebi essa ligação e obviamente saí e me juntei ao Mötley. Não sei como teria sido, sabe? Mas. A banda definitivamente estava recebendo ótimas críticas. Estávamos definitivamente fazendo ótimos shows. Estávamos esgotando praticamente todos os lugares para onde íamos. Então, não sei como teria sido, mas que estávamos indo muito bem, estávamos.

A saída do The Scream para se juntar ao Mötley Crüe foi um ponto crucial em sua carreira. Qual foi a principal motivação para fazer essa mudança? Dinheiro?

Eu diria que um pouco de tudo. Tenho que ser honesto com você, e já disse isso para o Tommy e o Nikki. Eu sabia quem era o Mötley Crüe. Tinha ouvido as músicas. Vi seus clipes na MTV. Mas não era um fã. Eu curtia mais sons dos anos 1970, como [Led] Zeppelin, Grand Funk Railroad, Nazareth. Então, eu realmente não sabia muito sobre a banda. Foram meus colegas de banda [no The Scream] que me disseram que o Mötley Crüe tinha ligado e me convidado para cantar em grandes arenas, em festivais enormes, e viajar pelo mundo todo. Eles já eram uma banda famosa. E na época, meu filho acabara de ser diagnosticado com diabetes. E minha mãe acabara de ser diagnosticada com câncer. Então, meus colegas de banda me encorajaram dizendo que eu poderia cuidar da sua família. Lógico que pensei em toda a fama e o reconhecimento, mas também no dinheiro.

Este ano, o álbum que você gravou com o Mötley Crüe completou 30 anos desde o seu lançamento. Qual é a sua opinião sobre ele?

Eu amo o disco. É uma pena, pois acho que o Mötley meio que enterra aquele disco em seu catálogo. Ou tenta agir como se não tivesse existido. Mas musicalmente, eu amo aquele álbum. Acho que é um ótimo álbum. Tenho muito orgulho de tudo que fizemos. E para ser honesto com você, acho que até certo ponto, foi esse álbum que me permitiu ter uma carreira muito longa e frutífera na indústria da música. Então, só tenho respeito pelo disco e pelo que fizemos como banda.

Dado o tempo que passou desde sua saída do Mötley, qual é sua leitura de como tudo aconteceu?

Acho que o universo tem uma maneira de te dar coisas quando você mais precisa. Quando eu estava no The Scream, meu filho acabara de ser diagnosticado com diabetes. Então eu tinha muitas, muitas despesas médicas se acumulando e minha mãe acabara de ser diagnosticada com câncer. E não tinha um plano de saúde muito bom. Então eu recebi essa oportunidade de continuar criando música, de viajar pelo mundo. Fazer parte de uma banda enorme. E ser muito bem pago por isso. E para ser honesto com você, eu diria que noventa por cento do dinheiro que ganhei foi usado para cuidar da minha família. E então, talvez três, quatro ou cinco meses depois que minha mãe faleceu, Vince [Neil, vocalista] voltou para o Mötley Crüe. Então eu sempre digo às pessoas que o universo viu que eu estava passando por muitos momentos difíceis e me deu um presente para poder cuidar da minha família. E é só nisso que penso.

Houve uma expectativa em torno do álbum solo que Mick Mars lançou em fevereiro de que você seria o vocalista. Trechos até foram lançados no YouTube anos atrás. Mick me disse que a parceria foi dissolvida por causa dos seus compromissos com The Dead Daisies. Foi isso?

Quando Mick me procurou pela primeira vez, disse que tinha se mudado para Nashville, onde moro, e pediu minha ajuda para escrever algumas músicas. Então, nos encontramos. Passamos uma tarde juntos; foi ótimo rever meu velho amigo. Eu disse a ele: “Bom, tenho uma turnê para fazer com o The Dead Daisies”, e ele ia sair em turnê naquela suposta despedida dos palcos do Mötley Crüe. Então, tivemos uma pausa para o Natal. Mick me ligou e disse: “Ei, escrevi duas músicas com o Tommy Henriksen do Alice Cooper. Você poderia cantar nelas para mim?” Eu topei e fui para o estúdio. Gravei as duas músicas. Depois, precisei voltar para fazer outras coisas com o The Dead Daisies, enquanto Mick retornava para a Final Tour. Depois disso, não nos vimos mais. No verão seguinte, fiz alguns shows com a Tom Keifer Band e o Winger. Durante uma conversa, descobri que Paul Taylor [tecladista do Winger] tocou no disco do Mick e coescreveu algumas músicas. Fiquei feliz com a notícia. Conheço todos que tocaram no disco dele. Estou feliz por ele finalmente ter lançado um. No entanto, a única coisa que Mick e eu realmente discutimos foi a possibilidade de compor algo juntos. Não sei de onde surgiram esses rumores de que eu estaria no disco solo do Mick. Quer dizer, nós só conversamos sobre compor. Infelizmente, devido à minha agenda e à dele, nunca conseguimos ir além. Mas quem sabe um dia.

Depois de sua passagem pelo Mötley Crüe, você participou de várias bandas e projetos. Union, ESP e vários outros que acabaram não deixando gravações. Qual você diria que foi o mais legal de fazer parte e gerou mais expectativas em termos de repercussão?

Honestamente, eu não penso muito nisso. Não costumo pensar em como as coisas vão ser. Sempre tento ser otimista, mas sem grandes expectativas. Acho que quanto maior a expectativa, maior será a decepção. Minha abordagem é simplesmente escrever música com quem quer que seja. Faço o que me atrai, sem me preocupar se me tornarei famoso ou ganharei dinheiro. Faço porque gosto e me divirto. Quando deixa de ser divertido, sigo em frente para a próxima empreitada. Bruce [Kulick] e eu apenas acontecemos de ser dois caras que estavam passando por situações semelhantes ao mesmo tempo. Ele tinha acabado de sair do Kiss, e eu havia acabado de sair do Mötley. Éramos amigos e compartilhávamos muitas experiências similares. Então nos reunimos, fizemos algumas composições e assim surgiu o Union. Na época, muitas pessoas, especialmente aqui na América, disseram: “Ah, são apenas dois falidos”. Mas gostei muito de compor com o Bruce. Foi terapêutico e incrível. Fizemos dois ótimos discos juntos [“Union” (1999) e “The Blue Room” (2000)]. Já o ESP (Eric Singer Project) aconteceu meio que por acaso. Bruce, Eric e eu fizemos uma Kiss Konvention e, no final, subimos ao palco e tocamos vários covers. O organizador do evento achou incrível, os fãs do Kiss adoraram. Ele sugeriu fazermos um disco com essas músicas que crescemos ouvindo, então fizemos [“Lost and Spaced” (1998)]. Foi engraçado porque inicialmente só íamos vender o disco pelo site do Kiss. Mas um cara de uma gravadora no Japão, grande fã do Kiss, quis lançar o disco por lá. E o mesmo aconteceu na Europa. Todas essas gravadoras acabaram lançando o disco, e ele ganhou vida própria. Agora que o Eric não está mais no Kiss, adoraria fazer alguns shows com o ESP.

Graças a Deus, você está de volta ao The Dead Daisies. Explique como funciona a dinâmica dentro da banda. Porque, para nós, parece que David Lowy dita as regras, e ponto final.

A questão que precisamos considerar é que o David é um cara muito ocupado. Obviamente, qualquer um que conheça sua história sabe que ele é um megaempresário. Então, a banda opera de acordo com a agenda dele. Mas tirando isso, em todos os álbuns que já fizemos, todos nós escrevemos as músicas em conjunto. David não chegou onde chegou à toa. Ele se cercou de músicos muito talentosos. Portanto, temos liberdade para dizer: “Ei, acho que a música deveria ser assim”, e ele ouve, sabe? Todos contribuímos para a música e todos temos ideias e discutimos letras e repertórios. Sem essa de um único indivíduo ditando as regras; todos nós decidimos tudo juntos. David está sempre aberto para ouvir o que temos a dizer.

Quais são os aspectos do The Dead Daisies que se destacam na sua opinião?

Já discuti com pessoas na internet sobre isso. Elas dizem coisas como: “Ah, o The Dead Daisies é apenas o hobby de um milionário”. Eu concordaria com essa afirmação se o David estivesse nos pagando e nós estivéssemos fazendo todo o trabalho, enquanto ele apenas subisse ao palco conosco. Mas o que mais amo nessa banda é que o David realmente nos trata muito bem. Ele reconhece os talentos individuais na banda. No entanto, ele não se dá por satisfeito em apenas eu e os outros escrevermos todas as músicas. David está sempre presente e contribuindo. Por exemplo, temos uma música chamada “Long Way to Go” cujo riff foi ideia do David. Quando chega a hora de fazer um álbum, todo mundo vai para casa, tem ideias, trabalha em cima delas e as coloca no papel. Ao nos reunirmos, tocamos as ideias uns para os outros e trabalhamos nelas coletivamente como banda. Para mim, essa é uma situação realmente ótima, porque todo mundo contribui. David criou essa dinâmica em que temos uma ótima administração, excelentes profissionais de RP e de mídias sociais. É uma situação bastante peculiar, mas eu gosto muito.

Gostaria de falar sobre “Horseshoes and Hand Grenades: Tales from the Other Mötley Crüe Frontman and Journeys Through a Life in and Out of Rock and Roll” (Rare Bird Books, 2022) agora. O que inspirou você a escrever sua autobiografia, e como foi o processo de revisitar e documentar a jornada da sua vida?

Fiz muitos shows na Austrália na Mötley ‘94 Tour (2019). E enquanto estava lá, conheci o Paul Miles [coautor] e foi ele quem teve a ideia de eu escrever o livro. Eu tinha considerado escrever um livro antes, mas hesitei porque todo mundo parece estar lançando livros atualmente. O Aerosmith tem um [“Walk This Way: The Autobiography of Aerosmith” (HarperCollins, 1997)], e cada membro do Aerosmith tem um, por exemplo. Então, senti que se eu escrevesse um livro, estaria seguindo a moda e simplesmente imitando os outros, sabe? Por isso, inicialmente, abortei a ideia. Mas o Paul disse algo que me fez repensar. Quando voltei para casa daquela turnê, ele me ligou e disse: “Sabe, John, é engraçado… Perguntei a algumas pessoas sobre você, e muitos não sabem muito sobre você. Não sabem de onde você veio, ou o que faz quando não está lançando um álbum ou em turnê.” Isso me convenceu a escrever o livro. Decidimos fazer uma espécie de entrevista. Ele me ligava e fazia perguntas. Fizemos isso toda sexta à noite por alguns meses. Ele transformou tudo no livro, me enviou o rascunho, eu fiz algumas mudanças, acrescentei e removi coisas. Trocamos o manuscrito várias vezes, até acertarmos. Quando achamos que estava bom, apresentamos à Rare Bird. Eles adoraram e decidiram publicá-lo. Estou animado com a resposta que tenho recebido, mas ainda não sei se foi uma boa ideia ter escrito um livro, porque prezo minha privacidade. Há uma razão pela qual ninguém sabia muito sobre mim; sou um cara muito discreto. No entanto, foi uma experiência divertida e terapêutica. Havia muitas coisas no livro que não discutia há anos. Além de ser mais uma coisa que posso riscar da minha bucket list.

Você tem um retorno ao Brasil agendado. Quais são as expectativas?

Sim, estou muito animado para ir. A última vez que estive em São Paulo foi com o The Dead Daisies, abrindo para o Richie Kotzen. Adoro as pessoas daí. São todos apaixonados por música e por se divertir. Estou realmente ansioso. Infelizmente, não posso ficar muito tempo e tirar umas férias. Literalmente, voarei na noite anterior ao show e irei embora na manhã seguinte porque tenho que voltar para casa. No entanto, espero que possa comer em alguma boa churrascaria, dar autógrafos e um “oi” para amigos que não vejo há um bom tempo.

Como será o show em termos de formato e setlist?

Vou fazer um set acústico. Seremos apenas eu e o meu violão, e vou contar algumas histórias e tocar algumas músicas. Espero que todos curtam.

Com base em suas visitas anteriores, que imagem você tem do Brasil e dos fãs brasileiros?

Psicopatas! [Risos.] Minha primeira ida para a América do Sul foi com o Union. E eu simplesmente não conseguia acreditar na intensidade dos fãs brasileiros, argentinos e chilenos nos shows. É incomparável, é uma loucura. Parecem uma torcida num jogo de futebol. Jesus, estou realmente ansioso para voltar aí!

De todos os álbuns que você gravou, qual considera a sua melhor representação como artista, compositor e intérprete?

Acho que ainda não o fiz. Tipo, acabei de terminar de gravar um disco com o The Dead Daisies. Acredito que nele estão algumas das melhores letras que já escrevi até hoje. À medida que envelheço e amadureço, acho que melhoro nisso. Parafraseando Ozzy [Osbourne], “Ainda não fiz meu ‘Sgt. Pepper’s’”. Mas as músicas solo que tenho escrito, como “Cosi Bella” e “Your Own Worst Enemy”, lançadas online há cerca de um ano, mostram essa evolução. Acho que estou me aprimorando cada vez mais nas letras e na habilidade de compor músicas. Ainda não sei se estou completamente feliz e satisfeito em dizer que estas foram minhas melhores canções. Tive momentos, como “Misunderstood” no álbum do Mötley, e outras músicas no catálogo do Union e do The Dead Daisies. Mas, em relação a um álbum completo e geral, acho que ainda não o fiz.

Para encerrarmos, qual foi a lição mais valiosa que você aprendeu em sua carreira musical?

Nunca assine um contrato sem que o seu advogado olhe primeiro. [Risos.]

Por Marcelo Vieira