Uli Jon Roth relembra clássicos de sua carreira no RJ

Teatro Rival, Rio de Janeiro/RJ  (27/09/2018)

Quem concorda que a guitarra é o órgão sexual do rock tem motivos de sobra para apontar Uli Jon Roth como um de seus principais punheteiros da história. O alemão, que é uma espécie de elo perdido entre Jimi Hendrix e Eddie Van Halen, foi um dos primeiros a empregar tanto as técnicas do que viria a ser conhecido como shredding como o approach erudito que resultariam em monstros como Jason Becker e Yngwie Malmsteen em meados da década de 1980. Seu trabalho só não é mais reconhecido por conta da sombra que o Scorpions, banda que o revelou e da qual saiu em 1978, lançou em sua empreitada solo: enquanto o grupo chefiado por Klaus Meine e Rudolf Schenker americanizou total e, assim, tornou-se uma das maiores potências do hard mundial, Roth, sempre tendendo ao experimentalismo, encarando a música como uma expansão dos sentidos, seguiu na direção contrária, permanecendo relegado aos círculos cult, que na mesma proporção que rejeita com veemência o Scorpions pós-Taken By Force, abraça a reduzida produção de Roth nos últimos quarenta anos com um entusiasmo que parece fazer vista grossa ao fato de que a carreira do guitarrista de lá para cá meio que se resume aos três registros do Electric Sun e alguns álbuns de música clássica que pouca gente ouviu ou dá a mínima.

A última visita de Roth a terras cariocas não fazia tanto tempo assim, mas o sucesso na forma de um Teatro Rival lotado na ocasião parece ter feito a produção achar que seria uma baita ideia trazê-lo de volta. “Vou não, vi daquela vez, já valeu!”, me escreveu um grande amigo no dia do show e, a julgar pelo quórum da casa faltando pouco menos de meia hora para o guitarrista subir ao palco, muitos daqueles que viram o cara em 2014 pensaram a mesma coisa. Se bem que a chuva torrencial que se abateu sobre a cidade pode, sim, ter exercido alguma influência. De qualquer forma, Uli e banda deram início à peleja com uma pontualidade tão britânica quanto os dois Marshall enfileirados na ponta esquerda do palco, ingredientes da receita sonora do classic rock, um favorito entre os mais puristas. Se os amplificadores são vintage, o mesmo não se pode dizer das guitarras de Roth, acrescidas de parafernálias eletrônicas e adornos que parecem emanar uma coisa cósmica, como se aprisionassem galáxias em si. O som que sai delas é coisa de outro mundo também.

No repertório, fazendo jus ao nome da presente turnê — não que isso faça muita diferença, dado o gosto de repeteco que prevaleceu nas quase duas horas de espetáculo –, nada menos que 12 canções dos Scorpions (1973-1978), com destaque para The Sails of Charon(negativo de 90% das composições faux-épicas de Malmsteen), os refrões maravilhosos de In TrancePictured Life e o sobe e desce vertiginoso de escalas que é o solo de Catch Your Train; um lance Randy Rhoads before it was cool. Isso num universo de 17 números apresentados, que incluiu um improviso acústico merecidamente convertido em saidinha de banheiro para este que vos escreve, é coisa pra caramba. O lado bom é que ao contrário do que foi visto da última vez, as canções do cânone escorpiano não foram prolongadas a la viagem lisérgica como se estivéssemos diante do Grateful Dead. A piração nesse âmbito ficou restrita ao bis, com aquela pagação de pau básica a Hendrix, com All Along the Watchtower (não fode, até Bob Dylan já desapegou do crédito por essa canção) e Little Wing, esticada até não poder mais, encerrando a noite em clima contemplativo. O doce veneno do escorpião pra quem já passou dos sessenta é esse. Bem mais legal (e seguro) que Bruna Surfistinha.

(Marcelo Vieira)