Barna’n’Roll 2018 é punk agora e sempre!

Barcelona, Espanha, 14/07/2018

Repassando a história recente: há menos de uma década a Europa viveu o caos financeiro e os países que mais sofreram foram Portugal, Itália, Grécia e é claro, a Espanha.  Somente os grandes festivais sobreviveram, muitos deles com dinheiro de um público gringo, que vinha para cá não só gastar, mas também badernar.

Daí muita gente descobriu que organizar festival estava dando retorno mesmo num país em crise e lá vieram uma enxurrada de eventos.  A prova viva disso tudo foi no fim de semana do 12 ao 15 de julho deste ano. Este de quinta à domingo registrou mais de uma dúzia de festivais no mesmo período, ou seja, no mesmo fim de semana. Dentre os mais destacados estão o Cruilla, BBK Live, Madcool, Resurrection Fest e é claro o Barna N’ Roll.

Dos citados acima o Barna é o mais honesto e organizado por quem realmente entende do assunto. A Hardcore For My Nose (promotora) está por trás da organização e deixa claro que, mesmo estando apenas na terceira edição, o evento já entrou para a história por conseguir reunir num único dia, Cock Sparrer, Descendents, Jello Biafra & Guantanamo School of Medicine, Sick Of It All, A Wilhelm Scream e três excelentes bandas nacionais como CRIM (punk rock catalão), Gatillazo e seu mitológico vocalista Evaristo e La Inquisición. Este último teve a difícil missão de inaugurar o festival apenas meia hora após a abertura dos portões e tendo um sol escaldante como foco de luz natural. O quarteto, que antes se chamava Secret Army e tinha suas letras cantadas em inglês, mudou de nome, deixou o som mais cru e letras passaram para o espanhol. Possuem dois EPs e um LP recém gravado que verá a luz no próximo mês de setembro. Vale lembrar que o Bandcamp está aí para isso.

Celebrando 20 anos de carreira estão os rapazes do A Wilhelm Scream, velhos conhecidos de nossas páginas, que possuem bom público, mas que ficaram um tanto deslocados no festival. Há um ano passaram por Barcelona e demoliram tudo numa pequena sala local e com um público especifico para vê-los, o que não aconteceu desta fez, mas que em nenhum momento tiraram o pé do acelerador, fizeram um set tão intenso quanto das vezes passadas.

Como comentamos anteriormente, o Gatillazo possui um público fiel, daqueles apaixonados por um punk mais cru, mais urbano e com letras irônicas. Um punhado de clássicos como Fosa Común e El Caos Perfecto. Ponto interessante foi ver Evaristo (vocalista) vestido com a camisa do Fluminense, o que passou despercebido pelo grande público, mas não por nós.

Se existe uma banda a destacar no cartaz, essa banda se chama CRIM e fazemos questão de escrever assim, em letras maiúsculas. O quarteto vem subindo um degrau por vez e sem pressa já que essa conquista é por puro mérito e esforço. Mesmo com letras em catalão o quarteto já fez turnê na América Do Norte e se saiu muito bem. Tocando em Barcelona e num festival como o Barna N’ Roll, foi o mesmo que o time Blau Grana (como o Barcelona é chamado) jogar em casa. Público apaixonado, letras cantatas a exaustão, punhos serrados.  Tudo o que uma banda grande tem e necessita principalmente em músicas como Benvingut Enemic e Cavalls Morts, duas canções que representam e muito bem seus dois discos lançados até o momento. Crim é a prova real que o punk rock não se importa com idiomas e dialetos, ou você entende ou cai fora. Aviso aos navegantes, a banda possui BANDCAMP.

Quem não deixa de impressionar a cada visita é o Sick Of It All, os irmãos Koller exibem uma forma física de dar inveja a muito garotão.  Recém-chegados do Resurrection Fest, não deixaram pedra sobre pedra e provaram o porquê figuram na galeria de mitos na história do Hardcore.  São mais de três décadas de atividade e um setlist de dar inveja.  Good Looking Out, Injustice System, My Life e Road Less Traveled foram apenas algumas das duas dezenas foram tocadas. Além da tradicional Busted com o baixista Craig nos vocais, uma intensa Rat Pack e deu até para resgatar No Cure, música que abre o aclamado Scratch The Surface e que nem sempre aparece no set.

Outro personagem que não poderia faltar na festa foi Jello Biafra. E lá estava o eterno vocalista do Dead Kennedys liderando seu Guantanamo School Of Medicine, com sua clássica ironia e interpretações caricatas de suas letras.  É claro que ele não perdeu a oportunidade de zombar dos personagens políticos que contaminam seu país e por consequência, o mundo.  Entrou em cena com uma boina ao melhor estilo Tira de filme, óculos escuros e um sobretudo com cores da bandeira americana. Faltaram as luvas cirúrgicas que tanto fez parte de seu personagem, mas melhor do que isso foi quando estrategicamente abriu seu longo abrigo para exibir o ponto alto de seu figurino, uma camisa com Trump Hates Me (Trump me odeia). Além das atualizadas letras de California Uber Alles fazendo referência a Arnold Schwarzenegger, Too Drunk Too Fuck (Too Trump Too Fuck) e Nazi Punks Fuck Off (Nazi Trump Fuck Off) e Holiday In Cambodia, todas do Dead Kennedys e um punhado mais de composições do GSM.

Um dos grupos mais esperados da noite foi sem dúvida o Descendents que nada mais pisar no palco e Milo solta a frase, I Want To Be Stereotyped, I Want to Be Classified e Suburban Home na cara do público.  Foi interessante ver como a banda diminuiu espaços no palco, avançou a bateria, colocou amplificadores nas laterais e deixou uma sensação de proximidade.  Everything Sux, Hope, Rotting Out, Nothing With You e uma infinidade de clássicos do punk rock melódico, uma verdadeira aula de como levar felicidade às pessoas. Ao final do set Milo levou o público ao delírio quando desceu do palco, passeou pelo fosso e cantou junto aos fãs que educadamente se acotovelaram para dar uma palhinha.  Ainda que um ou outro mais exigente tenha torcido o nariz, a apresentação foi linda e os “doutores sabem tudo” vão ter que aturar essa.

As frases “Punk is not Dead” e “Punk Never Dies” nunca foram tão perfeitas para encaixar no Barna N’ Roll.  Vimos de perto um repasso do passado, presente e futuro do punk. Gerações e gerações que cantaram e gritaram abraçadas.  Carecas, moicanos, velhos, jovens, meninos e meninas. Todos sem exceção, seja com mais ou menos intensidade vibraram com os clássicos (não há outra classificação cabível) do Cock Sparrer.  Uns senhores que poderiam passar tranquilamente desapercebidos por muitas cidades no mundo e se alguém dissesse que os mesmos fazem parte da história da música, não seria um espanto se duvidassem. Abriram com Riot Squad, meteram a botinada na porta com Watch Your Back e seguiram firme com Working. A noite estava ganha mesmo que a Inglaterra tivesse perdido para a Bélgica na disputa do terceiro lugar da Copa do Mundo, nos sentíamos em plena festa britânica cantando para os três leões e seu retorno à casa.  Para não dizer que ficaram nos clássicos, One By One do recente disco Forever foi tocada, mas nada comparado a England Belongs To Me e We Are Coming Back como encerramento.

O Barna N’ Roll chegou para ficar, é um festival honesto para um público que de modismo não tem nada.   Vale destacar, preços acessíveis desde o ingresso que custou 50 Euros, algo em torno dos 200 Reais para assistir a tudo isso e cervejas a 2,50 Euros.  Não é necessário ser rico para sentir e proporcionar felicidade.

Barna N’ Roll Until Die!

(Mauricio Melo)