Parte 2 do review do Hellfest XV, na França

Dias: 23, 24, 25 & 26/06/2022
Local: Clisson (França)
Texto: Ana Paula Soares
Fotos: Mauricio Melo (Snap Live Shots)

Dia 01 – 23/06

Após sermos massacrados por uma onda de calor fora de época, chegávamos ao segundo fim de semana do evento dentro de uma normalidade, boa temperatura durante o dia e noites frescas.  Talvez pelo desgaste provocado no primeiro fim de semana e uma certa desidratação, nossa dupla de representante se viu obrigada a cancelar o primeiro dia desta segunda parte devido a um cálculo renal.  Por mais que a vontade de estar no recinto fosse enorme, as dores eram maiores e ao invés de Hellfest fomos parar no hospital e deixamos para trás nomes como Whitesnake, Scorpions, Jerry Cantrell e a banda stoner revelação Slomosa.

Dia 02 – 24/06

Nada como um dia após o outro e uma boa dose de rock and roll logo às 11:30 da manhã para curar todo o mal.  Os suecos do The Baboon Show, guardem bem esse nome, aceitaram o desafio do horario no palco Warzone e em pouco mais de trinta minutos provocaram um alvoroço com “Oddball”, “The Shame” e “Radio Rebelde” com a já tradicional visita da vocalista Cecília Bostrom ao público.  De lá fomos ao palco principal conferir os espanhóis do Crisix que chegaram anunciando problemas.  Vinte e quatro horas antes o baterista da banda deu positivo por Covid e não pode viajar mas ao contrário do que fez o The Strokes no Primavera Sound, os catalães explicaram a situação, improvisaram aqui e ali com baterista emprestado da banda francesa Tagada Jones em um par de músicas, trocaram de instrumentos em outras e fizeram a festa com “Leech Breeder”, “G.M.M.”, mandaram um cover de Antisocial para conquistar o publico local e saíram aplaudidos.  Já no palco The Valley tivemos a honra de assistir o trio Stoner com dois de seus integrantes que um dia fizeram parte da formação clássica do Kyuss.  Estamos falando de nossos velhos conhecidos Brant Bjork (desta vez nos vocais) e Nick Oliveri nas quatro cordas.  “Rad Stays Rad”, “The Older Kids” e “A Million Beers” iniciaram o set que terminou com “Green Machine”, um clássico de sua antiga banda e já citada acima.  Show redondo.

Enquanto algumas bandas se apresentam com frequência no festival outras demoram tanto para retornar.  Esse é o caso de Danko Jones.  A ultima vez que o trio pisou em Clisson foi há nove anos e bons discos depois ali estiveram para uma boa dose de rock e diversão.  “I Gotta Rock”, “First Date”, “I Had Enough” e “Full of Regret” foram algumas das que tocaram.  Deixaram um gostinho de quero mais e trouxeram a chuva junto.  Já com água abaixo e leves jaquetas recebemos a visita do Killing Joke no palco principal, lembrando que já haviam tocado no Valley no fim de semana anterior.  Assim como naquela ocasião o “Love Like Blood” foi a responsável por abrir o set e deixando de lado o sucesso comercial, se é que podemos dizer assim, entramos no mundo real do K.J. com “Wardance”, “I Am The Virus” e “We Have Joy” com um Coleman pra lá de inspirado em suas interpretações.  O dia era mesmo de circular entre os palcos principais e logo na sequencia tivemos Kreator com uma produção de palco caprichada.  Bonecos que simulavam corpos enforcados espalhados pelo palco, chamas em algumas partes da música e um desfile de backdrops (bandeira no fundo de palco) que mudava de acordo com as músicas que eram tocadas como por exemplo “Violent Revolution”, “Phobia”, “Hordes of Chaos” além das insubstituíveis “Flag of Hate e “Pleasure To Kill”, clássicos de uma banda que está prestes a completar 40 anos.

A chuva e o frio já eram uma realidade quando o Ministry pisou no palco ainda que para o publico da linha de frente nada parecia importar.  Já havíamos visto a banda algumas vezes no mesmo festival mas o setlist deste ano superou com sobras os anteriores.  Talvez pelo momento atual com a guerra na Ucrania e com direito ao hino do país em questão como introdução.  Al Jourgensen chegou avisando que a primeira hora seria de clássicos e depois as novidades e assim foi com “Breathe” seguida de “The Missing” e a estas alturas a chuva já havia arriado de vez, não me lembro de ter presenciado tanta agua em anos de participação no evento, não falo de chuva forte mas sim constante.  A grama virou lama, o vento soprava em todas as direções e qualquer proteção (guarda-chuva, capas impermeáveis, bonés) era inútil. “Deity”, “Stigmata”, “N.W.O.”, “Thieves”, “Just One Fix” foram apenas algumas das pauladas industriais que tivemos.  A risada final foi quando os organizadores deram um ultimato na banda para pararem de tocar por excederem o tempo, o que provocou protestos de Jourgensen e sua falta de papa na língua.

A intensão era de assistir ao puro black metal do Marduk mas foi praticamente impossível já que nem sempre escolhemos o que fazer, dentro do festival há certos compromissos que não podemos fugir, então conferimos um par de musicas a uma certa distancia.  Não muito depois o Alice Cooper apresentou a tour de Nighmare Castle e um cenário teatral que agrada até aos que nunca foram fãs do artista, um show a ser visto assim como outros que já conferimos no passado.  “Feed My Frankenstein” abriu o set e em algum momento um boneco do Cooper gigante invade o palco enquanto o o de carne e osso se situa ao fundo e na parte alta do palco enquanto seus músicos recebem todo o protagonismo.  Na sequencia com “No More Mr. Nice Guy” e “Bad of Nails” e mais adiante o solo de guitarra da linda Nita Strauss.  Um desfile de clássicos que terminou com “School’s Out”.

Uma passada rápida no Valley para conferir algumas músicas do New Model Army antes do Nine Inch Nails.  Abriram com “I Love The World” seguida de “The Charge” e antes de abandonar o local com certa tristeza ainda deu para escutar uns acordes de “Here Comes The War”. O ponto alto com a banda foi na manhã daquele mesmo dia quando topamos com Justin Sullivan caminhando com cara de feliz no meio do público e uma taça de café, poucos o reconheceram e quem o fez (como eu) resolveu deixa-lo em paz, curtindo o festival.  Preferiríamos seguir no N.M.A. mas colocando na balança de oportunidades, reconhecemos que estar num show do NIN e pertencer a uma lista limitada para fotografa-los acaba pesando.  E lá fomos nós com o guarda chuva aberto no meio da escuridão e de luzes struble para todos os lados ao som de “Mr. Self Destruct”, “Wish” e “Last”.  Mais adiante “March of the Pigs” acendeu o publico de vez.   Por falar em publico aceso, no Warzone o Bad Religion iniciava as atividades com “New Dark Ages” e “Recipe For Hate”.  A banda passou pela Espanha há poucas semanas e conferimos alguns shows e por aqui (em Clisson) nos demos conta de um setlist completamente diferente, não saberia dizer qual foi o melhor. Restava o Megadeth e Dave Mustaine não deixou barato.  Abriram com “Hangar 18”, “Wake Up Dead” e “In My Darkest Hour”, deixando clássicos como “Peace Sells” e “Holy Wars… The Punishment Due” para o final.  Dave não perde a pegada e os fãs o colocam num pedestal.

Dia 03 – 25/06

Um dos dias menos corridos para nós e com músicos como Gary Clark Jr., Ayron Jones e Myles Kennedy.  Alem de novidades como The Slift e algum hard rock com “Dirty Honey” e o punk céltico dos australianos do The Rumjacks.   Os americanos do Touché Amoré se apresentaram diante de um bom publico no Warzone e justamente nesse palco tivemos uma sequencia de tres shows da velha guarda do punk e do crust com Discharge, Charged G.B.H. e The Exploited.  O primeiro dos três tocou ainda debaixo de sol, que voltava a brilhar após a água que caiu na noite anterior, e deram o tiro de partida com “The Blood Runs Red” do clássico disco Hear Nothing See Nothing Say Nothing do qual a música titulo veio na sequencia após “Fight Back”.  Eram as seis da tarde e um publico Old School já com algumas cervejas no teto não parava de animar diante de um desfile de clássicos.  E no meio de sequencia tivemos a esperada (para muitos) visita de Axl Rose e sua banda, Guns and Roses.

Começamos pelo começo.  Já de manhã havia um cartaz na sala de imprensa de que a banda não permitiria fotos, o que não foi surpresa para ninguém mas o que nos chamou a atenção foi que nem mesmo a imagem gerada nos telões do festival davam um close no vocalista, tudo era filmado a uma certa distância e o mesmo não acontecia com Duff e Slash.  Nada disso influencia a qualidade do show e a partir daí vai depender do ponto de vista de cada um.  Se você é do tipo que nunca teve a oportunidade de assisti-los, pois bem, aí está sua chance de coloca-los no currículo.  Agora, se você teve a oportunidade de vê-los em diferentes ocasiões e que a primeira desta foi no Rock in Rio 2 de 1991, há trinta e um anos atrás, vá com a mente aberta e apenas aceite.   É óbvio que o tempo passa para todos e não cometeremos a maldade de compara-los com trinta e um anos de diferença, três décadas mais jovens, mas há maneiras e maneiras de aceitar a passagem do tempo e algumas músicas foram um balde de agua fria. Deixando claro que a idade chega para todos, que o Sr. Axl tenha 60 anos não é desculpa para nada, porque James Hetfield já tem quase isso, porque Alice Cooper, Rob Halford já superaram a barreira das seis décadas há um bom tempo sem contar bandas como por exemplo o Rolling Stones, ter sessenta anos não quer dizer baixa qualidade mas sim saber como se chega a esse momento.  Por outro lado houve muita gente elogiando e reconhecendo que apesar de tudo a movimentação é boa, os clássicos como “Sweet Child O’ Mine”, “Welcome To The Jungle”, “Paradise City”, “Reckless Life” e “You Could Be Mine” foram tocados, covers do Stooges, Velvet Revolver, AC/DC e Bob Dylan foram executados numa apresentação de duas horas e meia com direito a longas pausas em algumas ocasiões.  Como dissemos anteriormente há maneiras e maneiras, alguns conseguem segurar a onda melhor do que outros mas Axl e companhia vão fazendo o melhor que podem e atualmente é o que há e o que há são videos já vazados na web com Rose e suas dificuldades de cantar suas próprias musicas.

Já em reta final do terceiro dia desta segunda parte e como prometido anteriormente visitamos o Warzone em dose dupla com o G.B.H. em primeiro lugar e músicas como “Sick Boy”, “Time Bomb”, “No Survivors” e “Give Me Fire” entre uma pá mais.  Por ali o tempo também passou mas de outra maneira, continuam divertidos e não dando a mínima.   O mesmo podemos aplicar para o The Exploited liderado por Wattie.  “Let’s Start A War”, “UK 82”, “Chaos is my Life” e “Fuck The System” figuraram entre as duas dezenas de musicas tocadas.  Assim como o Suicidal Tendencies, os escoceses terminaram o show com uma multidão no palco em “Sex & Violence” e “Punks Not Dead”.

Dia 04 – 26/06

Quarto e ultimo dia de aventura na cidade de Clisson e já bem cedo tomamos de assalto o palco principal 01 com os noruegueses do Bokassa. Se engana quem acha que por aquelas bandas só existe black metal e o trio é uma prova disso com um estilo que mistura punk com stoner, vai entender… A grande verdade é que um bom publico os recepcionou e eles retribuiriam e se divertiram com o palco do Metallica, a passarela montada e o Circle Pit.  Para os leitores que dizem que só apresentamos velharia na cobertura da primeira parte temos, além dos noruegueses citados acima, o Alien Weaponry, banda de thrash metal da Nova Zelândia que tem uns riffs invocados e que cantam em Maori, está aí algo novo apesar das nítidas influencias que a banda apresenta e engana-se quem acha que não há publico.  Dêem um confere.

Em todos os festivais desta dimensão temos as baixas de ultima hora e por lá não foi diferente.  Não sabemos dizem no lugar de quem o Angelus Apatrida foi encaixado mas o que sim temos certeza é que os espanhóis estão batendo às portas, e com força, dos grandes nomes. Difícil classificar, dentro do pouco tempo destinado ao quarteto de Albacete, qual foi o melhor momento dos oito temas que apresentaram, thrash dos anos 80 levados com autoridade.  Não poderíamos finalizar nossa participação sem antes visitar por ultima vez e em dose dupla o Warzone.  A primeira parada para o Terror que chega ao festival com disco novo debaixo do braço, Pain Into Power, um petardo de 10 musicas em 18 minutos e foi com a musica titulo que deram o tiro de partida além de “Can’t Help but Hate”, também do mesmo disco.  Claro que não faltaram os já clássicos como “Spit My Rage” e “Keep Your Mouth Shut”.

Na mesma linha da banda anterior tivemos o bom show do Lionheart e já no palco principal o Bring Me The Horizon que em seus inicios era uma banda de Death Metal (moderno ou não mas era) e que passaram a um perfil bem mais comercial.  Que tenham aumentaram seu publico? Incontestável!  Mas se esse é o preço, que paguem.  Na sequência tivemos Black Label Society numa apresentação impecável de Zakk Wylde, seja empunhando sua guitarra em “Suicide Messiah” e “Bleed For Me” ou tocando piano em “In This River” com dedicatoria aos irmãos Vinnie Paul e Dimebag Darrell (Pantera), o Viking do metal esteve à altura.

No caminho dos bastidores para o Metallica ainda vimos a lendária banda de grindcore Napalm Death derretendo as estruturas do Altar.  Uma pena não poder ficar um pouco mais mas a aquelas alturas do campeonato, ultimo dia de festival, há dez dias hospedados em Clisson, com horas e horas de shows assistidos, quilômetros percorridos entre um palco e outro, milhares de disparos na camera e nossa mente só conseguia focar em fazer bem o que fomos destinados, fotografar o Metallica ainda que à distância (mesa de som).  Afinal fomos um dos poucos escolhidos, 14 no total, dentro de uma quantidade de fotógrafos que podemos contar em centenas, sem exageros.  Ponto de encontro alcançado, comitiva liderado por nosso querido chefe de imprensa Olivier.  Percorremos o backstage de todos os palcos em sequencia fomos ajudados por dois seguranças com a missão de abrir caminho entre o público para então chegarmos na “ilha” que é a mesa de som.  Lá de cima tivemos a noção exata do que estávamos vivendo e foi algo inédito em nossas 12 participações anteriores, um mar de gente até aonde a vista poderia alcançar, poucas bandas podem lograr esse feito e o Metallica é uma delas.

Com duas introduções, uma do AC/DC e outra com a já tradicional “The Ecstasy of Gold”, o quarteto da Bay Area de São Francisco sobe ao palco do Hellfest pela primeira vez em 15 edições, algo que parecia impossível há alguns anos e pisam forte com “Whiplash”.  Apesar da passarela montada os integrantes se contiveram na primeira musica e somente em “Creeping Death” começaram o tradicional passeio para deleite de quem estava dentro do Circle Pit.  A noite seria de clássicos e ninguém ali esperava menos e após “Enter Sandman”, “Harvester of Sorrow” representou o álbum …And Justice For All. A arrastada “Sad But True” foi bem recebida assim como “Nothing Else Matters” mas quem sempre rouba a cena em “For Whom the Bell Tolls” e o solo / riff criado por Cliff Burton (eterno) é Rob Trujillo.  A banda está bem apesar do discurso recente de Hetfield quando passou pelo Brasil, tudo parece estar em seu devido lugar.  Kirk abusando de maneira positiva de seus solos e Lars continua fazendo caretas e cobrando protagonismo na cozinha.  Como falamos anteriormente, há maneiras e maneiras de envelhecer.  O Metallica já passou de quarenta anos de carreira e apesar dos altos e baixos nestas quatro décadas se manteve e é assim que o queremos por um pouco mais.  Foram duas horas de apresentação para fã nenhum colocar defeito e em reta final tivemos “Seek & Destroy”, “Demage, Inc.” (destruidora), “One” e um gran finale com “Master of Puppets”.  Somos da época em que ir ao show do Metallica era ver um cenário montado no palco, atualmente a tecnologia dá conta do recado com um jogo de luzes e projeções no telão que enlouquecem.

Após o show do Metallica ainda tivemos a tradicional queima de fogos. Quinze minutos com as explosões e cores das mais variadas.  Anunciaram as datas para o ano que vem no formato de três dias como de hábito mas ficamos esperando o anuncio antecipado de alguma banda que afinal não foi anunciado.  E daí?  Iremos de qualquer maneira, toque quem toque.