Entrevista: carta de amor de Doro Pesch aos fãs brasileiros

Uma das figuras mais emblemáticas do metal, Doro Pesch completa 40 anos de carreira em 2023. Pode-se dizer que os festejos começam logo, pois ela retorna ao Brasil para única apresentação no Monsters of Rock, dia 22 de abril, em São Paulo.

Além da vinda, sobre a qual fala empolgadíssima, Doro recorda seu início na música, esbanja amor pelos fãs brasileiros e antecipa a data de lançamento de seu novo álbum.

Rock Brigade: O ano de 2006 ficou marcado por ter sido a primeira vez que você tocou aqui no Brasil e neste ano, retorna para tocar na nova edição do Monsters Of Rock. Quais são as suas principais memórias daquele primeiro show e como estão as expectativas para essa nova edição?
Doro Pesch: Ah, eu amo os fãs brasileiros! Eles realmente sentem o metal, eu amo isso. Eu amo sua paixão, sua energia, o espírito do metal, que pra mim é o maior sentimento. O Brasil é um dos meus países favoritos a fazer turnês e festivais, e a primeira vez, quando tocamos nesse grande festival, foi esmagador.  Os fãs estavam em todos os lugares, no hotel, no lobby do hotel, no caminho para lá, e era tão empolgante, era tão incrível. Fizemos algumas gigs e shows e agora tocar nesse festival gigante… É uma grande honra e vou dar o meu melhor. Mas sim, tenho as melhores lembranças!

Em 2023, você completará 40 anos de carreira. É um marco incrível que representa muito, não apenas à história do heavy metal, mas também, a todas as mulheres que inspirou ao longo do tempo. No início, não era comum ter garotas na cena, você enfrentou muitos obstáculos?
Na verdade, eu só fiz o que amava, nunca nem pensei sobre ser uma garota ou sobre ser uma mulher, só fiz o meu lance. Eu sempre quis ser musicista, desde que eu tinha três anos. Então quando eu tive a minha primeira banda, minha primeira banda era chamada Snake Bite, depois Beast, depois Attack e então Warlock ― e eu estava amando, sabe? Todo mundo era muito legal comigo, sempre tive suporte, especialmente quando saímos em turnês com essas grandes bandas, minhas bandas favoritas, por exemplo, Judas Priest, Ronnie James Dio, Motörhead, Scorpions… e essas pessoas me apoiaram muito, era uma alegria. Nunca senti como se fosse diferente, sempre me senti muito integrada, então nunca pensei sobre. Mas aí os jornalistas criaram essa história, sabe? Da mulher e tal, mas eu pessoalmente, nunca senti qualquer… Eu sempre tive uma ótima conexão com os fãs, desde o primeiro dia. Então para mim, isso é, era e sempre será a coisa mais importante. É essa profunda amizade, o espírito do metal de conexão que sempre foi a coisa mais importante e não importava qualquer coisa que dissessem. Eu acho que se fosse homem, também seria um vocalista de metal, sempre foi natural e nunca tive problemas, obstáculos. Eu acho que é muito, muito difícil para qualquer músico, qualquer banda ser bem-sucedida ou construir seu nome ou conseguir um contrato com gravadora ou fazer turnês. Então a música em si é sempre uma luta e você sempre tem de lutar pela sua música. Especialmente quando eu iniciei, nos anos 1980, o metal não era tão aceito quanto é hoje. Se você fosse um metaleiro, as pessoas “normais” pensavam que você provavelmente era um criminoso ou um vagabundo. E eu falava “é metal e eu sou cantora, é a minha profissão” e eles sempre falavam “o que mais você faz?” e eu falava “bom, só estou fazendo música”, mas sentia “wow, mas você tem que fazer outra coisa para ganhar dinheiro” mas aí falei “não, só vou fazer música” e depois de um tempo passou, a ser aceito e nos últimos 10 ou 20 anos, começou a ser totalmente aceito e é ótimo. Mas por outro lado, quando começamos, era legal ser um fora da lei, quando as pessoas normais, os conservadores não sabiam o que pensar de você. E eu pensava “tudo bem, tudo bem”, sabe? Eu preferia ser uma fora da lei a ir com o fluxo, e o amor pela música e os fãs… Isso compensava  tudo. Mas ser uma mulher sempre foi ótimo.

Você tem uma ótima versão da música “Only You”, do Kiss. Como foi gravá-la? Alguma razão especial para tê-la escolhido?
Na verdade, eu era muito fã quando mais nova, ainda sou, e então tive a grande honra de ter Gene Simmons como produtor deste álbum em 1989-1990. Nós fizemos ótimas músicas juntos e ele contribuiu com muitas como “Something Wicked This Way Comes”, “Mirage”. E “Only You” era uma das minhas músicas favoritas do KISS e então ele reescreveu a letra e eu amei! A melodia, a troca de cordas, eu amei. Às vezes não consigo explicar porque amo tanto essa música, mas eu a amo. E foi ótimo ter Gene Simmons como produtor. Na verdade, foram Gene Simmons e Tommy Thayer, os dois estavam no estúdio. Tommy Thayer hoje está no Kiss, mas na época tocava em outra banda chamada Black N’ Blue. Foi incrível, fizemos no estúdio que o Kiss gravou “Hot In The Shade”, que era em Los Angeles, o estúdio “The Fortress”, acho que era esse o nome. Foi um sonho se tornando realidade, para mim, uma grande fã. Na verdade, eu tive a chance de conhecer todo mundo que eu tanto amava. Rob Halford, Ronnie James Dio, Lemmy, todas essas pessoas. Quando começamos, nossos primeiros shows na Europa foram com o Metallica quando eles lançaram seu primeiro álbum “Kill’ em All” e nós estávamos com nosso primeiro álbum “Burning The Witches” (1984). Eu não poderia pedir por mais! Eu conheci todo mundo, pude tocar ou fazer algo em estúdio. As minhas duas pessoas favoritas ainda são Ronnie James Dio e o Lemmy, do Motörhead. Eles eram meus melhores amigos e éramos os mais próximos. Sinto falta deles todos os dias… as memórias… quando me sinto meio pra baixo ou as coisas não estão indo tão bem, sempre penso nos dois. Lemmy era sempre muito bom em te animar ou inspirar, Ronnie também. Nós fizemos algumas turnês juntos e o espírito, a energia desses dois… Vou pensar neles a minha vida inteira, especialmente quando as coisas não vão bem. Eu ouço suas músicas e mantenho contato com todos que mencionei, como o Gene Simmons, e tocamos recentemente na Espanha, no Rockest de Barcelona. Judas Priest, Kiss, Megadeth estavam lá. Foi com o Megadeth minha primeira grande turnê americana, então é bom reencontrar todo mundo. Sempre sinto essa profunda amizade, mesmo quando não nos vemos todos os dias, não importa. É incrível.

Quais são seus planos para 2023? O que seus fãs podem esperar em celebração aos 40 anos de carreira?
Nós queremos fazer algo grande. Nós vamos fazer turnê, shows, um na minha cidade natal, Düsseldorf, e sempre comemoramos de uma grande forma. No meu vigésimo quinto aniversário, o Scorpions veio e foi ótimo. Lemmy estava no meu vigésimo aniversário, então dessa vez queremos convidar muita gente boa e, na verdade, fazer duas vezes: uma no Wacken, um grande, gigantesco festival. Acho que vocês já ouviram falar, é o maior festival de metal na Europa, vamos fazer no dia 2 de agosto, que é perto, 1 hora de Hamburgo. E depois em minha cidade natal, Düsseldorf. Estamos no meio de convidar as pessoas, todo mundo que vocês conhecem. Nosso primeiro show é no Brasil! Com Scorpions, Kiss, Helloween. Ah, meu Deus, é incrível! Deep Purple… Cara, tanta gente… Vai ser ótimo! E eu tenho um guitarrista brasileiro, na verdade ele tem cidadania americana, seu nome é Bill Hudson e é um guitarrista fenomenal, somos muito amigos. Eu acho que isso provavelmente o fará muito feliz e sua família orgulhosa. Nós saímos em turnê juntos nos últimos dois anos e ele toca no meu novo álbum que sai em outubro. Estamos no meio da mixagem e está quase finalizado. Acho que soa ótimo e os fãs vão amar.  Muitas músicas pesadas, rápidas e coisas que fãs de metal gostam, muitos hinos e algumas músicas emotivas. Acho que 27 de outubro é a data que ele deve sair, estamos planejando isso. Com tudo, vinil, vinil colorido, boxset, e tudo que os fãs de metal amam colecionar!

Em 2021 foi lançado o “Triumph And Agony Live”. Você pensou em fazer algo parecido com outro álbum? Talvez o “Burning The Witches”?
Essa é uma boa ideia! Agora tem tantos álbuns, acho que agora são… estamos trabalhando no vigésimo primeiro, então seriam vinte álbuns para escolher entre. É uma boa ideia, ainda não o fizemos, mas eventualmente… seria ótimo! “Triumph And Agony” foi o primeiro que fizemos por ter sido um dos nossos álbuns de maior sucesso e todas as músicas eram tão boas e foi incrível fazer o álbum todo. Algumas músicas nunca tínhamos tocado antes, então não sabíamos se soaria bem ao vivo, mas acho que todas soaram bem. Mas é uma boa ideia. Especialmente “Burning The Witches” ou as coisas mais antigas que os fãs de metal gostam, eu acho que esses seriam os mais legais, provavelmente. Mas eu amo outros álbuns, por exemplo o “Love Me In Black” (1998), esse é um dos meus álbuns favoritos, mas provavelmente não seria fácil de fazer, por ser muito envolvente. Tem outro álbum chamado “True At Heart” (1991) e tem as músicas e histórias mais bonitas. Histórias muito comoventes. Todo álbum é único e tem uma vibe diferente, uma atmosfera diferente. Mas eventualmente seria uma boa ideia. Mas primeiro quero lançar as músicas novas, o álbum novo e isso é sempre empolgante, ter algumas coisas especiais em nosso setlist e quem sabe? Talvez toquemos uma música nova no Brasil, ainda não sei, precisamos ensaiar, mas seria ótimo! Mas você sabe, tem todas essas grandes músicas que todos cantam juntos, por exemplo “All We Are” ou “Burning The Witches”. Às vezes é difícil de colocar uma música nova que ninguém conhece, que não conseguem cantar junto… Mas vamos ver, eu adoraria fazer uma surpresinha, algo especial para os meus fãs brasileiros.

Texto: Bia Cardoso