Entrevista: Ken Mary explora recente capítulo do Fifth Angel

“Dark Angel, Death Angel, Morbid Angel? Todos esses vieram depois. Antes de nós, só o Angel, nos anos 1970”, diz o talentoso baterista Ken Mary, membro original e peça fundamental na história do Fifth Angel, com quem a ROCK BRIGADE teve a oportunidade de conversar. Desde os primeiros dias nos anos 1980 até a emocionante volta em 2010, exploramos os altos e baixos da carreira do grupo pioneiro do heavy metal americano, discutindo seus álbuns clássicos e mergulhando no mais recente lançamento, “When Angels Kill”, a ser distribuído no Brasil pela Shinigami Records.

Rock Brigade: “When Angels Kill” é um álbum conceitual. Eu gostaria de saber o que veio primeiro, as músicas ou o conceito a ser desenvolvido por meio das músicas?

Ken Mary: Na época do “The Third Secret” (2018) nós percebemos que as músicas dele tratavam de temas semelhantes e começamos a falar sobre fazer no próximo álbum um álbum conceitual, então eu diria que o conceito talvez tenha vindo antes das músicas.

Que eventos ou circunstâncias inspiraram esse conceito?

Se você reparar bem, o conceito gira em torno de todas as coisas sobre as quais tratamos até hoje. Falamos sobre guerra nuclear em “In the Fallout” [do primeiro álbum, homônimo, de 1986], fizemos críticas à mídia em “The Night” [também do primeiro álbum], abordamos traição e desilusão em “Cry Out the Fools” [também do primeiro álbum] e “Queen of the Thieves” [do “The Third Secret”]… Entrelaçamos tudo isso, só que num álbum conceitual.

Qual é a mensagem do novo álbum e como isso é refletido nas letras e na música?

São muitas mensagens. Alertamos quanto aos perigos de uma dominação global, da tirania em nível global, dos desastres naturais e dos causados pelo homem.

“Desde o início, sempre falamos sobre a condição humana e todos os diferentes desafios que a humanidade enfrentou e enfrenta, e este álbum vislumbra um futuro distópico. Você provavelmente notou que, tematicamente, talvez seja o álbum mais sombrio do Fifth Angel.”

Não só o mais sombrio tematicamente, mas o mais pesado musicalmente. A que você atribui isso?

Pense no nosso primeiro álbum. “In the Fallout”, “The Night”, “Wings of Destiny”, “Cry Out the Fools”. Essas músicas foram bem pesadas para a época. Mas se você considerar o metal como um todo, o metal como um todo ficou musicalmente mais pesado. Quando a banda começou, em meados dos anos 1980, acho que o Metallica era provavelmente o que havia de mais pesado. Agora, você tem bandas que são muito, muito mais pesadas. Portanto, não sei se esse peso a mais foi intencional ou não.

Como foi o processo de composição e gravação? Foi possível trabalhar presencialmente ou, como muitos artistas nos últimos anos, vocês fizeram tudo de maneira remota?

Não fizemos tudo de maneira remota, mas fizemos algumas coisas. Parte da composição se deu pessoalmente, parte, remotamente. No que diz respeito à gravação, Steve Carlson [vocalista] e Steve Conley [guitarrista convidado, integrante do Flotsam and Jetsam, outra banda de Mary] moram aqui em Phoenix, então pudemos gravar juntos. Já as partes do John [Macko, baixista] e do Ed [Archer, guitarrista] foram, em sua maioria, gravadas remotamente.

Qual foi a real contribuição do Steve Conley no álbum?

Steve tocou guitarra base e ajudou no processo de composição. Ele é um grande amigo meu e nós trabalhamos juntos em muitos álbuns e projetos. Ele é um músico e compositor fantástico em todos os sentidos e foi fundamental para este álbum. É um membro da família Fifth Angel. Muitos músicos diferentes contribuíram conosco ao longo dos anos, e, como de praxe, utilizamos todas as nossas armas para fazer o disco acontecer.

Você tem alguma música favorita no novo álbum?

É uma pergunta difícil de responder porque eu realmente gosto de todas as músicas. Este é provavelmente o meu álbum favorito do Fifth Angel. Amo certas coisas em todos os álbuns do Fifth Angel, mas este eu acho que é provavelmente o meu favorito.

Está nos planos fazer uma turnê para promover o novo álbum?

Acabamos de nos apresentar no Keep It True XXIII, na Alemanha, e estamos no line-up de alguns outros festivais. No que diz respeito à turnê, depende; só se houver demanda. Tenho certeza de que você tem acompanhado o tanto de bandas importantes cancelando turnês. É quase financeiramente inviável fazer turnês hoje em dia, sobretudo se você é uma banda de metal. Cair na estrada custa o dobro, quiçá o triplo, do que custava antes da pandemia. Dito isso, nos divertimos muito tocando no KIT. Adoramos conhecer nossos fãs, dar autógrafos, ouvir histórias. Essa interação é uma coisa maravilhosa, então, sim, se houver demanda por uma turnê, faremos uma turnê.

Agora eu gostaria de falar um pouco sobre o passado do Fifth Angel. Quando a banda foi formada, quais artistas compunham o panorama de influências de vocês?

Nossas influências eram aquelas óbvias: Dio, Iron Maiden, Judas Priest e quem mais estivesse em alta naquela época. E tinha o Queensrÿche, e eles eram meio que nossos amigos. Nós tentamos seguir os passos deles. Você sabia que o primeiro show deles foi abrindo para o Dio? A primeira turnê deles foi abrindo para o Dio! Eles se concentraram em compor boas músicas e gravar um bom álbum. Vimos isso e pensamos: “É isso que queremos. Não vamos perder tempo fazendo showzinhos em clubes. Vamos nos concentrar em fazer um ótimo álbum”.

A Epic Records ficou tão impressionada com esse álbum, “Fifth Angel”, lançado antes de maneira independente, que assinou com a banda um contrato de sete álbuns por US$ 21 milhões. Primeiro e único fruto desse contrato, “Time Will Tell” (1989) soa bem mais acessível que o antecessor. Vocês tiveram de fazer concessões à gravadora ou partiu de vocês essa abordagem mais “comercial”?

Acho que foi um pouco de cada. Na época, bandas como o Dokken estavam em alta, então tentamos, de alguma forma, tornar o som um pouco mais acessível, porque queríamos ter um álbum de sucesso. Soma-se a isso o fato de a Epic não ser uma gravadora especializada em metal. A Epic era a gravadora do Michael Jackson e de muitos outros artistas pop, e não uma gravadora especializada em metal. Acho que eles não sabiam muito bem o que fazer com bandas de metal. Mas não é como se tivéssemos pirado, virado uma banda pop, sabe? Mas tentamos, sim, fazer algumas músicas um pouco mais acessíveis. “Midnight Love” foi a música-tema do programa de rádio de Howard Stern por uns dez anos, e o clipe de “Time Will Tell” tem quase um milhão de visualizações no YouTube, e isso diz muito a respeito do impacto que esse álbum teve. Talvez tenha expandido um pouco a base de fãs da banda, o que provavelmente foi uma coisa boa.

Todas as principais revistas de metal da época ventilaram o Fifth Angel como a “próxima banda a estourar”. No entanto, quando o grunge tomou de assalto a indústria fonográfica dos Estados Unidos no início dos anos 1990, vocês se separaram. O que realmente aconteceu?

Foi exatamente isso que aconteceu. Uma vez que o grunge tomou conta, realmente varreu para debaixo do tapete toda e qualquer banda do metal anos 1980; exceto talvez por Metallica, Megadeth e Pantera. Mas até bandas como o Judas Priest penaram; tanto que o Rob Halford [vocalista] formou o Fight porque o Judas estava em crise. Daí, ficamos sem gravadora e perdemos a vontade de continuar. Cada um seguiu seu caminho. Ted [Pilot, vocalista original do Fifth Angel] se matriculou na faculdade e virou dentista. Foi triste, ainda mais considerando o tempo que a moda durou. O grunge durou o quê, dois, três anos? E quantas bandas foram bem-sucedidas mesmo? Nirvana, Pearl Jam, Alice in Chains e Soundgarden. E todo mundo, com exceção do Pearl Jam, está morto, né? Resta alguém vivo dessas bandas? Também acho que os músicos não eram lá grande coisa. Nós investimos muito tempo ficando bons em nossos instrumentos. O grunge era o oposto disso; o que contava era a energia. Eu até gostei de algumas músicas, mas foi uma pena que tenha matado todo o resto. Para mim, foi uma péssima jogada da indústria fonográfica.

Pode-se dizer que foi após o show no Keep It True XIII, em 2010, que começaram as conversas para reativar a banda?

Sim, foi realmente o começo de tudo. Oliver Weinsheimer, o criador do Keep It True, merece muito crédito porque convidou a banda para tocar, e foi a primeira vez que vimos um público cantando junto com todas as músicas. Daí pensamos: “Uau, talvez a banda tenha tido um impacto maior do que pensávamos, especialmente na Europa”. Foi aí que decidimos que talvez devêssemos compor algumas músicas. As primeiras que compusemos não eram tão boas. Simplesmente, não parecia o Fifth Angel. Parecia qualquer outra coisa. Finalmente, Kendall [Bechtel, guitarrista] e eu começamos a escrever músicas que não apenas eram ótimas, mas também soavam como o Fifth Angel. Então, repetimos a dose no Keep It True XX, em 2017, e foi quando o Jaap Waagemaker, A&R da Nuclear Blast, que é fã da banda, pediu para que lhe enviássemos esse material. Enviamos, ele adorou, então assinamos um contrato com a Nuclear Blast, gravamos um disco e logo em seguida veio a pandemia, que colocou tudo em compasso de espera porque ninguém sabia o que ia acontecer. Então fazer esse novo álbum foi realmente custoso, mas sentimos que criamos algo que especial. Para mim, o mais importante é fazer música que mexa com você. Se a música mexe com você, vai mexer com outras pessoas também. Se não mexe com você, por que deveria mexer com outras pessoas? Fizemos dois álbuns dos quais eu gosto de todas as músicas. Embora os primeiros álbuns sejam clássicos, os dois últimos têm muito mais a ver comigo em termos de gosto pessoal.

Depois de muito procurar, de voltar à estaca zero, vocês acabaram decidindo que o Kendall seria o novo vocalista. Deu super certo. “The Third Secret” é um baita álbum e o desempenho vocal do Kendall é incrível, mas sinto que a ideia desse álbum era estabelecer vínculos com o passado, a começar pela capa. Nesse âmbito, pode-se dizer que cada decisão foi friamente calculada?

Decerto queríamos revigorar nossa base de fãs. Fazia quase 30 anos que não lançávamos um disco. É muito tempo. Mas também queríamos trazes novos fãs a bordo porque mudamos. Musicalmente, refinamos um pouco. Há elementos que os fãs das antigas reconhecerão e com os quais se identificarão, mas hoje em dia soamos mais pesado e um pouco mais “progressivos” do que nos discos anteriores. Houve, portanto, um esforço consciente para manter nossos fãs conosco, e a arte da capa é, sim, um indicativo disso. Foi pensada para que todos soubessem que era o Fifth Angel, mas um Fifth Angel novo, diferente.

E por que o Kendall decidiu sair, aparentemente do nada, em 2018?

A saída do Kendall foi muito inesperada para nós também e foi lamentável porque tínhamos uma série de compromissos marcados. Um belo dia, ele apenas disse: “Olha, pessoal, não estou a fim de fazer a turnê. Estou fora da banda”. Não achamos que ele estivesse falando sério. Pensamos que, passado um mês, um mês e meio, ele estaria de volta. Esperamos o máximo que pudemos, então enviamos alguns e-mails, os quais ele não respondeu. Ele não atendia nem retornava as nossas ligações. No fim das contas, era aquilo mesmo; ele não queria fazer a turnê. Tendo em mente a nossa agenda, pensamos em soluções: “Que tal você cantar só duas ou três músicas do ‘The Third Secret’ e o Steve Carlson canta as músicas da época do Ted?” Mas o problema não era ele não querer cantar as músicas antigas, e sim o desconforto das viagens, a comida etc. Foi um baque para nós, e o timing não poderia ter sido pior, pois o álbum tinha acabado de sair. Teria sido melhor se ele nos dissesse que não faria a turnê antes de gravarmos o disco.

Por Marcelo Vieira; Transcrição: Bia Cardoso; Fotos: Divulgação / Nuclear Blast Records