Entrevista: Mark Farner reflete sobre carreira do Grand Funk

Os fãs de rock no Brasil têm motivos para comemorar com a volta de Mark Farner ao país após encantar o público daqui com uma turnê inesquecível. Conhecido por sua energia no palco e sua capacidade de se conectar com os fãs, Farner, 75, mantém sua intensidade ao longo dos anos através de um estilo de vida saudável e uma abordagem naturalista, guiada por sua fé e sua ligação com raízes indígenas.

Com uma carreira marcada por números impressionantes, incluindo milhões de álbuns vendidos e inúmeros discos de ouro e platina, ele destaca um momento especial em sua trajetória: a canção “Bad Time to Be in Love”, que se tornou um hino para muitos durante um momento difícil em suas vidas. Através de sua música, o artista continua a impactar e inspirar pessoas ao redor do mundo.

Em sua passagem pelo Brasil, os fãs podem esperar uma seleção de grandes sucessos do Grand Funk Railroad, além de novas composições de seu próximo álbum. O artista também compartilha histórias memoráveis de sua carreira, como sua amizade com Janis Joplin, e seu apoio a veteranos de guerra, agricultores e populações desfavorecidas, demonstrando seu compromisso com causas sociais importantes.

Rock Brigade: Estive no seu show no Rio de Janeiro em 2019 e saí realmente impressionado. Para começar, gostaria de saber como você mantém a intensidade e a energia em seus shows ao longo dos anos.

Mark Farner: Eu me alimento bem, sabe? [Risos.] Fisicamente, fazer um show exige muito de você. E minha esposa é muito ligada à medicina natural. Ela é parte Chippewa, nativa americana, e eu sou parte Cherokee. Então, nós valorizamos nossa cura natural, não tomamos remédios [industrializados]. Muitas pessoas que têm mais de 70 anos tomam muitos remédios, para pressão arterial, para o coração e o que quer que seja. Mas não minha esposa e eu. Nossa comida é nossa medicina. Nós comemos bem, e somos pessoas muito espiritualizadas. Jesus Cristo é o nosso cara. E temos um relacionamento maravilhoso.

Os números da sua carreira são impressionantes. Trinta milhões de discos vendidos, dezesseis discos de ouro e platina, dois hits número um. De todas as conquistas que acumulou, qual foi a mais especial para você?

Acho que ter minha música “Bad Time to Be in Love” tocada mais do que qualquer outra música em 1975. E eu recebi um prêmio da BMI por essa música. E a música surgiu quando eu estava casado com minha primeira esposa. Tivemos uma briga; não uma briga física, mas uma discussão verbal. Então, sentei ao meu piano e comecei a tocar. E estava ouvindo as palavras vindas da boca da minha ex-esposa. Ela estava na cozinha, ameaçando dar com uma frigideira na minha testa. [Risos.] Então eu escrevi essa música, “Bad Time to Be in Love”. É um mau momento para estar apaixonado. Muitas pessoas ligaram [para as rádios] pedindo para que tocassem “Bad Time to Be in Love” porque não estavam passando por um bom momento em seus relacionamentos. E isso se refletiu na quantidade de vezes que essa música foi tocada. Essa música foi tocada mais do que qualquer outra [naquele ano], mas, curiosamente, não chegou ao primeiro lugar. Ainda assim, as pessoas amam essa música que surgiu apenas por uma circunstância natural da vida, um episódio, uma página do meu livro.

De todos os álbuns que lançou com o Grand Funk Railroad, em qual você diria que todas as peças se encaixaram com mais perfeição?

Sem dúvida, “E Pluribus Funk” (1972). Esse álbum foi gravado em dois dias. Dois dias! Todas as músicas. Todos os vocais. Todos os overdubs de guitarra. E no terceiro dia, foi mixado e estava pronto. Fizemos aquele álbum em três dias, cara!

Era mais fácil gravar e promover um álbum nos anos 1970 do que é hoje?

Promovê-lo, talvez não, porque não temos mais as gravadoras como tínhamos a Capitol Records nos anos 1970. Eles estavam por trás de nós, e toda a máquina deles nos apoiava. Agora, se você está numa gravadora, é porque você deu metade de tudo que tinha para eles. Eles sugam muito. Então, as pessoas que fazem discos hoje não têm a vantagem de uma gravadora com muito dinheiro para promovê-las. Elas têm que se promover na internet, no YouTube e em todas essas plataformas onde as pessoas ouvem música, e fazem muita autopromoção. Quanto a gravar, nos anos 1970, não havia gravação digital. Era tudo em fita. A tecnologia era muito diferente. Hoje, as pessoas gravam com um metrônomo; há um clique, e você toca seguindo esse ritmo. Naquela época, o baterista era o metrônomo. Tocávamos seguindo o que o baterista estava tocando, e era muito mais fácil. Íamos para o estúdio, gravávamos. Muitas vezes, acertávamos na primeira, segunda ou terceira tentativa, e pronto. Agora, você vai para o estúdio, alguém programa uma bateria. Depois, o guitarrista ou tecladista entra e adiciona sua parte. Alguém grava uma voz guia. Depois, o baixista entra e adiciona sua parte. Não é mais como nos anos 1970, quando você fazia tudo de uma vez. Era muito fácil. Hoje não é tão simples assim.

Pensando no auge do Grand Funk Railroad, o que você faria de diferente se pudesse voltar no tempo?

Diferente? Eu não acho que faria nada diferente, porque realmente gosto de onde estou agora. Gosto das músicas que estou escrevendo agora. Gosto de onde está minha cabeça. Gosto de poder perdoar as pessoas e sentir isso de verdade no meu coração. E todas as lições que aprendi me trouxeram para onde estou agora. E se eu mudasse alguma coisa, talvez não tivesse aprendido tanto.

Você poderia citar uma das lições que aprendeu naquela época e continua colocando em prática hoje?

Bem, a número um é sobre presença de palco. Se você tem mil, 10 mil, 100 mil pessoas na plateia, as pessoas na frente podem te ver muito bem. Quanto mais longe ficam, mais difícil é para as demais pessoas [te verem]; exceto quando a casa oferece telões. Mas na época, no final dos anos 1960 e anos 1970, não havia nada disso. Então eu aprendi a exagerar meus movimentos. Quando fazia algo, cara, fazia de forma que as pessoas na última fila pudessem ver o que eu estava fazendo. Eu desenvolvi essa presença de palco. E a mantenho até hoje.

Aos que esperam uma reunião da formação clássica do Grand Funk Railroad, você diria para que desistam?

Ah, não. Eu não desisti. Se Don e Mel percebessem que só há três pessoas que podem fazer aquele som… E que eu sou uma delas… Eu que escrevi 92% das músicas! Sou quem minhas músicas dizem que sou. Ninguém mais é. Ninguém mais. Então, para dar aos fãs o que eles merecem —  não apenas o que eles querem, mas o que eles merecem —, deveria ser os três membros originais. Dessa forma, eles vão ouvir a magia. Não há outras pessoas que possam fazer isso. Somente nós três.

Como é saber que suas letras ainda ressoam com tantas pessoas hoje em dia?

Eu adoro isso. É uma alegria para mim até mesmo pensar nisso. Penso em quantas cartas [recebi], em quantas pessoas já me disseram pessoalmente: “Obrigado. Sua música me ajudou a superar um momento muito difícil na vida”. Eu não poderia pedir muito mais como recompensa pelo que fiz. Os fãs me mostraram e me deram uma razão para continuar.

Você acredita que esse seja o seu legado mais importante na música?

Sim. Porque eu me apoio no amor que reside na música. Qualquer pessoa que tenha ouvido minhas músicas de 1969 até hoje sabe que são totalmente sobre o amor. Sobre o perdão. Sobre salvar o que resta do planeta. Sobre abandonar a ideia de guerras e ter uma paz verdadeira. Eu era fã de John Lennon. Quando John Lennon e Yoko Ono ficaram deitados na cama pela paz por um mês e os jornais foram para o quarto [de hotel] dele foi uma época incrível. E depois ele foi morto, mas sua ideia de paz não morreu. É aterrador pensar que havia pessoas que não gostavam de John Lennon e não gostavam dos Beatles por causa de sua mensagem de amor. Gente ruim. Temos que ficar atentos a elas e continuar rezando para não cair em suas armadilhas.

Gostaria que você falasse um pouco sobre o seu apoio a veteranos de guerra, agricultores e populações desfavorecidas.

Uso minha plataforma para destacar e prestar homenagem àqueles que considero a elite. Considero os agricultores a elite. Considero nossos heróis de guerra a elite, porque eram apenas jovens seguindo ordens. Aprendemos a seguir ordens quando somos muito jovens. Lembro-me de quando meus filhos perguntavam: “Por que tenho que fazer isso?” E eu dizia: “Porque eu mandei”. Isso é uma ordem. Você está dando ordens aos seus filhos. Você não percebe isso, embora os ame, mas eles estão em um ponto da vida em que estão aprendendo lições. E os soldados aprenderam suas lições desde cedo. Eles fizeram coisas porque seus pais mandaram fazer. Na guerra, eles fizeram o que fizeram porque seus superiores lhes mandaram fazer. Não é porque acreditam na guerra. Não é por nada além do amor que eles têm por seu país. E eles estão lá por causa disso. Ser patriota e acreditar no que seu país representa. É por isso que apoio os veteranos, porque eles apenas fizeram o que lhes foi dito para fazer.

O que os fãs podem esperar em termos de setlist para seus shows no Brasil?

Podem esperar muito Grand Funk porque sei que isso é o que os fãs querem ouvir. Os fãs escrevem para mim dizendo que preciso tocar esta ou aquela música em meu show, e levamos esses pedidos em consideração. De fato, fizemos uma pesquisa com o público pela internet há alguns anos e obtivemos as 10 músicas preferidas de cerca de 2.800 pessoas. Usamos essa lista e, claro, nela tem todos os hits, porque as pessoas querem ouvir os hits. É assim que construímos o setlist. Além disso, tenho um novo álbum para ser lançado no início de setembro. O produtor Mark Slaughter e eu estamos gravando-o há dois anos. É o puro rock‘n’roll, e vamos apresentar nosso público a este álbum, uma música por vez.

Para encerrarmos, você poderia compartilhar alguma história memorável?

Lembro-me de uma vez em que tocamos no Winterland, em San Francisco. Janis Joplin estava nesse show. Ela estava lá no público, para assistir ao show. Sempre que tocávamos juntos, se o Grand Funk subisse ao palco primeiro, eu ficaria para assistir a Janis. E se ela fosse a primeira, ficaria para assistir ao Grand Funk. E então nós passávamos um tempo juntos. Esse show no Winterland e estava lotado. O ar-condicionado estava quebrado, as pessoas suavam em bicas. Foi um show incrível. E senti meu estômago embrulhar. Então, durante o solo de bateria do Don, corri para o camarim e vomitei, sabe? E voltei correndo para terminar a música. Olhei para os caras e disse: “Gente, não consigo tocar mais por hoje. Acabou.” Então Janis, que estava na lateral no palco, colocou o braço em volta de mim. “Oh, Mark, o que aconteceu, querido?” Eu disse: “Oh, meu Deus, não estou me sentindo bem. Queria estar morto agora, me sinto péssimo.” E ela disse: “Oh, eu tenho o que você precisa.” E ela pegou na bolsa dela uma garrafa de vinho Ripple. Eu pensei: “Ah, tá!”. Bendita seja! Aquela era a cura dela para tudo. Janis era uma mulher engraçada, muito engraçada. E éramos muito amigos. Nunca fomos namorados, mas sempre bons amigos.

Por Marcelo Vieira; Fotos: Gustavo Maiato