Mike Gaspar, ex-Moonspell, fala sobre o projeto Seventh Storm

Rock Brigade: O press release deixa bem claro que o Maledictus não é um álbum conceitual, mas ainda assim ele possui um fio condutor temático. Tendo em vista essa temática de dor, raiva, angústia etc., não dá pra gente não supor que essas músicas sejam frutos de uma inspiração pandêmica. Então eu queria saber isto: o quanto a pandemia influenciou tanto na composição dessas músicas quanto na realização do disco em si?
Mike Gaspar: A pandemia permitiu que isso acontecesse. Como eu estava dizendo há pouco, tudo parou, então pela primeira vez na minha vida, no meu caso pessoal, eu nunca tinha passado um verão em Portugal em 25/27 anos, porque estava sempre em festivais, turnês ou preparando ensaios, preparando um disco. Então minha vida nunca tinha tido um ano de “normalidade”, de tal forma que há pessoas, amigos meus, que eu não tinha ideia de que são pais, outros foram pro estrangeiro, outros mudaram de lugar e descobri tudo isso nessa fase, houve tempo pra isso, e também para conhecer melhor a nós próprios, sendo um bocado introspectivo, e olhei muito pra trás pra minha carreira e lá está tudo. A pandemia, pra mim, acho que permitiu talvez toda essa dor, sentimento, óbvio, para um disco, porque foi uma vida, e a nossa carreira, em Portugal, nos primeiros anos foram difíceis, muitas dificuldades num país como Portugal, especialmente naqueles tempos. Finlândia, Suécia e Albânia já estão habituados com bandas de metal e já há um mecanismo, um suporte e uma facilidade, agora, com a minha carreira, foi sempre lutar para ter a dignidade de poder fazer o estilo de música (metal) e o respeito num país como Portugal, e muitos outros, não é só Portugal, mas a diferença é enorme. A primeira vez que eu fui pra Albânia nos anos 90 [Risos], o que é isto, isto é um sonho! E mesmo no festival em Leipzig, que é o Wave-Gothic-Treffen, as fantasias são incríveis, passar pelas ruas e ver o senhor vovozinho com o pãozinho no cesto da bicicleta dizendo “hallo!”, tudo com normalidade, e isso é muito bonito de se ver, de se apreciar e amar a diferença, não ser crítico e conservador, eu senti muito isso quando eu vim dos EUA pra Portugal. Ainda hoje eu estava comentando com a minha mulher, eu moro aqui há tantos anos e as pessoas ainda olham pra mim e ficam espantadas [Risos] e isso também é tão ridículo. Então tudo isso é uma continuação de quebrar barreiras e não desistir, continuar a fazer a música em que nós acreditamos, e, a menos que haja motivos, a gente não quer desistir. Os artistas não têm o valor que deveriam ter, mas um dia, quando perderem, [Risos] darão mais valor. Mas a pandemia, obviamente, o medo, estávamos falando dos nossos filhos, olhar pra minha filha e não poder ir brincar ou pensar qual é o futuro que ela vai ter… Imagina os adolescentes naquela altura com treze/catorze anos e não poderem sair, “finalmente tenho catorze anos, não posso ir pra uma festa ou pra um concerto com meus amigos”. Então acho que nessa geração já se perdeu um pouco e estamos agora tentando recuperar, querer ir em concertos, viver. Já poderia ter sido assim, mas foi preciso uma pandemia para percebermos que nós estamos juntos, e ter alegria pelos outros. Aprendi muito isso com quem me rodeia, que me puxou pra cima de alguma forma pra investir em algo que sempre acreditei e não me desfazer de todo esse passado. 

Pra você, qual é o grande disco, qual a obra-prima do Moonspell e por quê?
Isso pode dar muitas discussões com os fãs [Risos], mas, óbvio, na minha experiência, o Irreligious (1996) foi um disco que abriu muitas portas, fizemos coisas que, se a gente pensava que era impossível ter uma mídia, ir em turnê com os Morbid Angel, depois ter um ônibus, ter técnicos, começamos a ter condições e ser conhecidos. Mas o Irreligious entra nos anos 1990, quando se vendiam discos a série, abriu-nos portas para maiores festivais, não só de metal, festivais alternativos, em que Jimmy Page & Robert Plant eram headliners, Danzig, eu conhecia tudo e mais alguma coisa de artistas. Coisa que mais uma vez seria difícil de imaginar, que uma banda com essa sonoridade pudesse estar no palco com esses monstros, e tudo mesmo, o blues, se não fosse o blues, não vinha o metal. É que já são tantos discos, mas é o Irreligious, pra mim, claro [mostra a tatuagem do olho da capa do disco]. Este é o olho da capa, que, a propósito, nem foi desenhada por nós na época, foi o designer da editora que teve essa ideia e funcionou muito bem. Nós éramos muito novos, não tínhamos bem noção do que era, mas foi tudo uma aposta da Century Media por causa do sucesso do Wolfheart na época, então pra mim na verdade os dois discos estão muito colados, o Wolfheart saiu em 1995 e o Irreligious em 1996. Foi um período muito intenso, tudo que foi feito naquele período é impossível de fazer hoje em dia, eu acho que é mesmo quase impossível. Nunca imaginei estar em turnê com o Type O Negative, o tour manager era também o mesmo tour manager do Motley Crüe, que era o Mike Amato, o técnico de teclado era o Les Paul, filho do Mick Mars. Quando eu estava vendo o filme do Motley Crüe, muita coisa eu já sabia [Risos], isso pra quem foi criado nos EUA, eu que era um enorme fã, histórias que eu também era criança, que eu também acompanhava o pai em primeira mão e, uau, e tudo como eles passavam, com Skid Row, mas era o que o Johnny, o palco como eu montava, tudo num nível que só víamos nos filmes, só víamos na MTV [Risos], e de repente sentimos que estávamos mesmo naquela vida, claro que não só isso, mas o que fica mesmo é a música e as pessoas. Eu gosto muito do The Antidote, não vejo como masterpiece, mas vejo como um álbum de ligação um pouco ao nosso passado, em um lado mais tribal, o Extinct acho também um grande álbum, faz pouco tempo que foi feito. Mas é aquela coisa de quando ficamos mais velhos, como é o primeiro disco comparado, pode haver mil discos melhores, mas o primeiro é o que dá o maior sentimento, e vão sempre ser aqueles dois, Wolfheart e Irreligious. Há álbuns que eu não disse, como The Butterfly Effect, é como ter muitos filhos, são todos bonitos [Risos], mas sempre um ou outro se destaca mais, e a realidade é essa, e acho que, como artistas, devemos aceitar isso. Pensar que temos que fazer de todos os discos um “masterpiece”, e noto isso agora na nossa indústria, “como é que a gente vai amadurecer?”, se a gente arrisca um cadinho e depois caímos logo em cima, “isso já não é metal”, e infelizmente passei por isso esse tempo todo, com o The Sin, que é mais pop, o The Butterfly Effect que já é mais industrial, o Memorial, que é um disco que eu adoro, acho que ele é um dos discos a seguir o Irreligious. Acho que ele [Memorial] foi mesmo um disco muito importante, porque voltamos a trabalhar com o Waldemar [Sorychta], uma certa paz, porque nós ficamos um pouco mais afastados deles e a maneira com que foram feitas as produções tinha sido difícil, nós também éramos muito novos e eu era muito ingênuo, e português vê isso como “ele não gosta de nós” [Risos]. Mas não, eu estava tentando tirar o meu trabalho, e eu tenho saudade, tudo o que eu estou dizendo agora foi o que eu pensava enquanto estava fazendo esse disco e muito mais. Mas, acima de tudo, tem que ter muito sentimento, tem que ser épico, tem que ter alma, temos que vibrar, como tudo o que eu já fiz. Eu fiz doze ou treze discos com a minha ex-banda [Risos], festivais, MTV Awards, fiquei um pouco pelo mundo todo durante tantos anos. Se apegue mesmo ao que acredite, e acredite bastante. 

(Transcrição: Leonardo Bondioli; Foto: Divulgação)