Review e fotos do festival Primavera Sound em Barcelona 

Napalm Death

Local: Parc del Fòrum Barcelona
Data: 2, 3 e 4/6/2022

Bem sabemos que muitos festivais de verão deste ano na Europa ampliaram suas datas de um para dois finais de semana na tentativa de recuperar o tempo perdido, ou melhor, inativo devido à pandemia de Covid-19.  Sendo assim, tanto o Primavera Sound quanto o Hellfest, duas datas fixas em nosso calendário há mais de uma década, oferecem uma programação dobrada.  

Em dobro vem os shows, não só em quantidade de bandas mas também como apresentações. Bandas como Interpol, Ride, Gorillaz, Beck e The Strokes ― que cancelou a primeira das duas apresentações por caso de Covid entre um de seus integrantes ―, somente para citar alguns nomes, farão duas apresentações dentro dos onze dias que durará o evento.    

Em dobro também vem, além da satisfação de assistir alguns shows imperdíveis, o cansaço, o custo e o aborrecimento.

Dia 1 – 2/6/22

Apesar da jornada de inauguração no Poble Espanyol na quarta-feria (1/6/22) com quatro bandas, optamos por dar início às nossas atividades junto ao evento oficial no Parc del Fòrum no dia posterior e abrimos nossa cobertura com os nova-iorquinos do Les Savy Favs e seu post-rock, art-rock etc.  

A grande verdade é que o vocalista Tim Harrington rouba a cena de uma banda que, mesmo sendo boa musicalmente, se ficasse sem Harrington passaria desapercebida. Tim incita, instiga, salta no público, caminha sobre, abraça, toma banho de vinho mesmo estando trajado num terno branco e termina sua apresentação de roupa interior. Um verdadeiro showman.   

Não muito distante dali o Dinosaur Jr. marcava sua habitual presença no festival. Com um J. Mascis visivelmente mais magro mas sem perder a pegada e seus distorcidos e melódicos riffs, a banda deu um bom repasso na carreira e desfilou clássicos como Out There, Start Choppin e Feel The Pain mas não deixou de fora I Met The Stones de seu trabalho mais recente. 

A esta altura do campeonato, uma infinidade de artistas se apresentavam em diversos palcos mas optamos por não sair do lugar e conferir, na sequência, o show do Yo La Tengo. Uma apresentação demolidora do início ao fim. 

Para finalizar nosso primeiro dia conferimos o show do Pavement no palco principal ― nada como uma ressurreição para te colocar num pedestal. Quando, em 2019 e em pleno festival daquele ano, foram anunciados como a atração principal da vigésima edição do festival e única apresentação na Europa, houve um alvoroço generalizado.  Pouco ou nada mudou desde então, a banda foi mantida no “palcão” e lá desfilou seus clássicos como Frontwards, Silence Kid do álbum Crooked Rain Croked Rain; Father to a Sister of Thought que não era tocada desde 2010 e Perfume-V e Two States de Slanted and Enchanted, lançado há trinta anos, só para citar algumas. 

A banda fez jus às expectativas ainda que o ponto marcante da noite não esteve no palco e sim nas imensas filas para comprar bebidas, o que gerou uma onda de críticas e que os organizadores aliviaram nos dias posteriores com pontos de distribuição gratuita de água, já que o verão não avisou e invadiu a (o)Primavera. Poderiam ter feito antes e evitar críticas mas alguns só pegam no tranco.

Idles

Dia 2 – 3/6/22

Chegamos cedo para conferir os jovens do Beach Bunny, que faziam sua primeira apresentação na Europa e o Primavera Sound começava a resgatar sua essência, a de apresentar bandas com potencial de grande, a essência da descoberta, do chegar antes.  

Numa tarde com um recinto visivelmente mais vazio do que o dia anterior e com um público bem mais a cara do evento, ao contrário do dia inaugural onde mal poderíamos dizer que aquilo se tratava do festival que frequentamos desde 2008.

Voltando ao Beach Bunny, os jovens não tremeram diante do bom público que chegou cedo para conferi-los e vibrou com suas músicas.  

Na sequência e no mesmo cenário tivemos a dupla britânica Wet Leg confirmando expectativas com relação ao recém-lançado e auto-intitulado álbum de estreia após o sucesso viral de Chaise Longue, single de 2021.  

Enquanto isso o Fontaines D.C. destruía o palco Estrella Damm com uma apresentação demolidora. Logo após os Fontaines D.C. e no palco ao lado tivemos Beck que chegou como um dos grandes nomes do cartaz e não decepcionou.  Aliás, a palavra decepção passou além do horizonte, o Beck ofereceu um dos melhores shows do evento, o artista a ser vencido por seus concorrentes. Há muito que seu nome vem ecoando pelos quatro cantos do evento e finalmente o tivemos presente. Um verdadeiro repasso na carreira e um setlist com nada mais nada menos do que trinta e seis temas.  

Bek David Campbell é um verdadeiro artista, filho de artista, neto de artista e por isso mesmo é versátil como poucos em sua área. Toca guitarra e violão, gaita, canta, dança break, usa chapéu, boné, óculos escuros, coloridos, interpreta suas músicas de maneira impecável, caminha de um lado a outro do palco, chegando aos limites para alcançar o maior público possível e mais, num mundo aonde as restrições com os fotógrafos chega a limites absurdos e histórias que chegam a ser ridículas de contar, o senhor Beck simplesmente libera os fotógrafos por tempo indeterminado, só não pode subir no palco porque ali o dono é ele.  

Mixed Bizness e Dreams deram o tom da festa, Devils Haircut e Diamond Bollocks trouxeram os riffs, The New Pollution, Qué Onde Guero? e Loser trouxeram os clássicos e um público enlouquecido. Uma apresentação que já está marcada no evento como uma das mais memoráveis. 

Na sequência ainda tivemos o The National mas após a onda Beckiana nem mesmo o bom show do quinteto foi suficiente para resgatar o ambiente naquele momento e até aonde nos chega a informação, a loucura foi reinstalada na incendiaria apresentação de King Gizzard & The Lizard Wizard que nós iremos conferir no segundo final de semana assim como o Gorillaz.

Dia 3 – 4/6/22

Chegamos e demos uma passada rápida no palco de entrada, o Binance, para o show do Low antes de descemos a ladeira e conferir a apresentação de Tim Burgess, eterno vocalista do The Charlatans UK, que veio em carreira solo e não decepcionou seu público fiel inundado de britânicos, que a esta altura do campeonato são presença dominante no festival.  

No palco ao lado tivemos o trio feminino do Automatic em mais uma boa oferta / descoberta destas já mencionadas como característica do evento. Pelo visto nossa área de atuação do dia foram nos palcos próximos ao mar pois nada mais acabar o show do trio feminino embarcamos no Jawbox. Mais uma dessas bandas que tem um público fiel desde seus inícios mas que em algum momento passou desapercebida e chegou à extinção e, numa volta recente, descobrem que foram heróis de muitos e ressurgem para coletar sua posição na história da música. Um show maiúsculo desde o início com Mirrorful, Nickel Nickel Millionaire e mais adiante com Spoiler

Uma pena que o setlist foi curto mas nós ainda tivemos a sorte de assisti-los no dia seguinte dentro programação do Primavera a la Ciutat numa sala minúscula, com um setlist mais completo e um público honesto que estava ali expressamente para assistir ao show e não falar sobre séries da Netflix ou contar como foram as ultimas férias em NY como já virou hábito dentro do recinto do Fòrum, onde muitos não estão nem aí para o festival e sim porque é um evento para estar.  

Jawbox

A grande realidade é que o Jawbox salvou tudo. E como foi dito, continuamos flertando com os palcos à beira-mar. 

Num deles o black metal absoluto do Abbath. Os noruegueses demonstraram o porque da reputação de seu país de origem no estilo. Com sua clássica maquiagem, luzes em contra e muita fumaça o Abbath assombrou com Acid Haze seguida de Dream Cull e Ashes of Damned, uma verdadeira pedrada dentro do festival que tem e sempre teve sua veia metal e nunca deixou de fora bandas do estilo, provando mais uma vez que o ecletismo continua sendo uma marca do evento. E não foi a única banda a assolar o palco e quebrar cabeças alheias.  

O Napalm Death também figurou no evento com um setlist de luxo incluindo Unchallenge Hate, Fuck the Factoid do trabalho mais recente e Backlash Just Because e o baixo marcante de Shane na introdução e é lógico que não deixou de fora Suffer The Children, Scum e You Suffer. Apesar das mudanças de formação, o quarteto continua firme como há quase 40 anos. 

Abbath

Outro nome icônico e inesperado foi o Bauhaus.  Quando foi feito o anúncio da aparição da banda após tantos anos de inatividade muita gente marcou a apresentação do quarteto como imperdível e quem não o fez e gosta do estilo de música é porque desconhece a origem de muitas bandas que figuraram nas décadas seguintes à dissolução. A banda demonstrou que não voltou apenas para desfilar, estão afinados e com vontade de tocar. Abriram com Rosengarden Funeral of Sores com um Peter Murphy irreconhecível fisicamente, careca e de barba mas com uma postura de palco digna de sua história, além de sua inconfundível voz. Enquanto David Jay e Kevin Haskins, baixo e bateria, marcavam o ritmo e Daniel Ash se preocupava com os riffs, Murphy caminhava em círculos, parava repentinamente e encarava o público para em seguida seguir o ritual empunhando um bastão. 

Havia todo um clima sombrio, um ritual a seguir e o público entendeu perfeitamente. Double Dare veio na sequência e logo In The Flat Field e muitos passaram a entender de onde vem a influência de bandas atuais como o Interpol (entre outras), o que ficou mais evidente com She’s in Parties. Um show para guardar na memória, foi um privilégio. 

Mas o dia ainda não estava finalizado. Havia uma grande expectativa diante do palco Cupra para o aguardadíssimo show do Idles. Limpem sua mente, esqueçam estereótipos ou estilos e escutem e principalmente assistam (na internet) o que é a banda. Uma “maçaroca” sonora, um público que embarca de cabeça na incendiária apresentação do quinteto. Ela já havia passado no festival anteriormente mas não se compara entre uma banda promissora e a realidade atual. Colossus, Car Crash, Mr. Motivator… seja lá qual fosse o tema, tudo era a desculpa perfeita para enlouquecer. A banda deixa clara sua postura anti-comercial, monarquia, líderes, racistas, homofóbicos, simplesmente anti-tudo que atrapalhe, explore, incomode a vida alheia. Posso estar enganado mas o Idles com as devidas “ajudas” mencionadas salvou o Primavera Sound no último minuto da prorrogação, golaço.   

Ainda tivemos tempo de assistir ao Shame, banda que também faz o perfil de mistura de estilos e que chama atenção pela insanidade de seu baixista.

(Texto e Fotos:  Mauricio Melo – Snap Live Shots e Eric Pamies / Primavera Sound)