Review e galeria de fotos: Primavera Sound Barcelona

Local: Parc del Fòrum & Sala Apolo – Barcelona – Espanha
Datas: 31/05/2023 a 04/06/2023

Cobrimos o Primavera Sound desde a edição 2008 e de maneira ininterrupta salvo os dois anos de pandemia e dentro do mesmo festival, já atravessamos tempestades e também aproveitamos dias ensolarados e ao contrário do acontecido na edição passada, quando o Primavera chegou a sua vigésima edição, tivemos  um festival redondo, cômodo, prazeroso e não nos estamos referindo e limitando somente ao cartaz, nos referimos num todo.

Na edição passada havia uma expectativa muito grande em diferentes sentidos. Foi o primeiro festival após dois anos de ausência devido a já mencionada pandemia, somada a que seria a vigésima edição e com o plus que para celebrar tudo isso seriam onze dias seguidos de festival, incluindo dois finais de semana no Parc del Fòrum e seus dezesseis palcos.

Foi uma aposta que não funcionou como esperado, um calor fora de época, filas quilométricas para comprar água (e qualquer outra coisa mais), uma “invasão” de um público que nunca foi o perfil do evento e a sensação de que todos queriam estar em algum evento, fosse qual fosse só por “estar”. Desta vez, com algumas mudanças na configuração existente, incluindo o reposicionamento de alguns palcos, o evento ganhou em espaço, investiu em lugares para comidas e bebidas evitando assim filas, a circulação do público entre os palcos foi muito melhor, o tratamento dado aos profissionais (imprensa incluída) foi das mais agradáveis e o cartaz agradou a gregos e troianos.

O evento registrou 253 mil pessoas e 317 atuações durante toda a programação que incluiu showcases em diferentes pontos da cidade antes dos 3 dias oficiais no Parc del Fòrum, um êxito sem precedentes no festival que é conhecido e reconhecido como o tiro de partida para os grandes festivais de verão.

Dia 01 – Jornada Inaugural
Data: 31/05/2023 

Reservamos nossas forças para os dias oficiais no Parc del Fòrum, por lá estivemos na jornada inaugural e conferimos dois artistas, um que até há pouco era considerado uma promessa e que até certo ponto, vem confirmando expectativas. O outro que é uma lenda do synth-pop. Jake Bugg foi o primeiro artista que cobrimos nesta edição.

Esperado há anos pelos frequentadores do festival, nos espanta a demora e ausência de sua presença em todos estes anos de Primavera, mesmo quando o óbvio parecia existir devido a badalação de seus hits, o mesmo não foi escalado e talvez tenha sido o melhor cartão de visita para esta edição, iniciar nossa participação à beira do Mediterrâneo numa agradável tarde ao som de “Me and You” foi emocionante.

Com uma pegada mais rock tivemos “Trouble Town” e “Slumville Sunrise”.  Dentro dos hits esperados “Seem It All” e “Lightning Bolt” marcaram presença antes do jovem Bugg fechar o set com “All I Need”, seu último single com uma inclinação mais pop. E já que o assunto é pop, chegamos aos reis do synth, a dupla Pet Shop Boys.

Já havíamos coberto a dupla anteriormente e conhecemos muito bem a qualidade do show e suas excentricidades. Sim, estamos cientes de que a Rock Brigade é uma página de rock ― mas cabe a cobertura.  Um show maiúsculo, com produção de palco e diferentes cenários além de uma exaustiva troca de figurino demonstrando que Neil Tennant exibe boa forma no auge de seus quase setenta anos.

Entraram com uns óculos futurísticos (não esperávamos menos) e roupas prateadas. Um jogo de luz invejável e tecnologia de ponta. A voz de Tennant está impecável.  Para troca de cenários entraram uns trabalhadores com uniformes de obra sem que parem de tocar, tudo muito bem coordenado.  Um poste de rua é colocado no palco e nos remete ao cenário de “Dançando na Chuva” mais adiante um novo figurino e um cenário básico com destaque para as imagens no gigante telão de fundo e jogo de luzes, todo um espetáculo e mais do que esperado para os fãs da dupla. Não faltaram clássicos como “Domino Dancing”, “Being Boring” e “West End Girls” e até mesmo um cover do U2, “Where The Streets Have No Name”.

Dia 02 
Data: 01/06/2023 

Por coincidência, abrimos o festival de maneira oficial com uma banda brasileira. Brasileiros sempre participaram do Primavera Sound ― pelo menos no período que iniciamos nossas atividades por aqui, ou seja, desde 2008. Desta vez conferimos de perto o quarteto paulista Terno Rei e seus hits como “Solidão de Volta” e “Dias de Juventude”. Apesar do horário, um bom público esteve presente e não era um público apenas de brasileiros.  Em seguida, os americanos e veteranos do Built to Spill dividiam horário com os jovens britânicos do Yard Act.

Como o Built já havíamos conferido em outras ocasiões, acabamos por dar preferência ao Yard Act e também queríamos estrear o palco novo, o Ron Brugal. O Yard vem nessa onda “revival” de bandas como Happy Mondays e toda a geração do filme “24 Hours Party People”.  Há todo um movimento com bandas novas fazendo o perfil e o que difere o Yard dos Mondays são as doses de guitarras, bastante mais elevadas do que a geração 1990 ― e isso fica latente em “Fixer Upper” e “Dead Horse”.

O palco Amazon Music se situava logo ao lado e pouco tivemos que caminhar para chegar até ali e ver de perto o Ghost e o que Tobias Forge, vulgo Papa Emeritus IV e seus Nameless Ghouls tinham a oferecer aos fãs que igualmente fantasiados, se aglomeravam diante do palco após passarem no confissionário.  Sim! Há um confissionário oficial que em geral serve para tirar fotos e que às vezes o “Papa” em pessoa pode aparecer. Abriram o set com “Kaisarion” e um palco cuidadosamente decorado. Ao decorrer do set Emeritus troca o figurino algumas vezes.  “Rats” veio em seguida assim como “Watcher in the Sky” e “Year Zero” além de “Jesus He Knows Me” ― que em realidade é um cover do Genesis muito bem repassado. O bis ficou por conta de “Dance Macabre” e “Square Hammer”.

Enquanto outros palcos fervilhavam com atrações diversas fomos direto ao palco Estrella Damm para conferir o show do Turnstile, que é a nova menina dos olhos do hardcore moderno. Algo parecido aconteceu com bandas como Fugazi, At The Drive-In, Rage Against The Machine ou Refused, que foram colocados na categoria hardcore contemporâneo para desgosto dos mais ortodoxos do estilo.

A grande realidade é que em 2021 o quinteto apresentou o disco chamado “Glow On” adicionando novos elementos ao tradicional hardcore. Temas como “Mystery” e “Endless” marcaram território desde o princípio junto a “T.L.C. (Turnstile Love Connection)”.

Tivemos pogos e circle pit mas não stage dives já que o palco era o maior do evento e o fosso que separava a banda do público era imenso. De nosso ponto de vista foi um erro do festival colocá-los num palco tão grande, pois se fosse um palco menor estaríamos falando de uma tarde memorável. Outro erro do festival foi colocar Turnstile num horário muito próximo ao OFF! Punk velho que somos, saímos correndo para ver Keith Morris e sua nova versão com a banda. Os que conhecem o som do OFF! sabem muito bem que a fórmula do quarteto era a infalível três acordes e músicas de um minuto de duração. Resulta que para o novo álbum “Free LSD” o quarteto reformulou sua formação e veio com uma fórmula alucinógena e músicas como “Alice Up The Pie” ou “War Above Los Angeles”, totalmente oposto ao registrado nos trabalhos anteriores.

Tocaram o disco na íntegra praticamente e reservaram o último quarto de hora para despejar antiguidades como “I Don’t Belong” e “Panic Attack”. Entre o público os integrantes do Bad Religion se tornaram alvo fácil para fotos com os fãs. Após toda essa salada punk/rock/hardcore moderno recebemos de braços abertos o New Order, sua celebração dos quarenta anos de estrada e que prazer poder revê-los mesmo com a ausência de Peter Hook, integrante que consideramos essencial para o som da banda. Abriram com “Regret” do álbum “Republic” e seguiram com “Age of Consent” de “Power Corruption and Lies”, em determinado encaixamos o ângulo de Bernard Sumner e Stephen Morris e sua inconfundível maneira de tocar a bateria e foi impossível não se emocionar ao lembrar do Joy Division, uma grande parte do que viveu o Primavera esse ano se deve a estas influências.

Num plano mais atual tocaram “Academic” de um trabalho mais recente e “Your Silente Face” de 1983.  Foi um desfile de clássicos que incluiu “True Faith”, “Bizarre Love Triangle”, “Blue Monday” e “Temptation” antes de finalizarem com “Love Will Tear Us Apart” do já mencionado Joy Division. Já em reta final subimos até o pequeno palco Ron Brugal e por lá estava Kathleen Hanna, vocalista do Bikini Kill liderando o Le Tigre, uma das bandas mais aguardadas desta edição.

Integrantes de várias bandas estavam na linha de frente misturados ao público, entre estes os integrantes do The Baboon Show, banda sueca com grande projeção no cenário europeu atual.  “The The Empty”, “TKO”, “FYR” e “My My Metrocard” foram responsáveis de iniciar o set e incendiar o público.  “Deceptacon” encerrou o set e nós já estávamos de caminho ao que seria o último show da noite, o Blur. Habitualmente o Primavera Sound coloca os grandes nomes do festival na quinta-feira, é uma maneira de atrair um público fiel já que sexta e sábado são dias cheios por si só. Por isso nomes como Blur e New Order (entre outros) figuraram no primeiro dia oficial do evento.

Mas com todo respeito, colocar o Blur para tocar às duas da manhã chega a ser exagerado. O quarteto britânico era um dos nomes mais aguardados porém o horário jogou contra, muita gente que gosta da banda arredou pé fazendo com que o mesmo tocasse para um público reduzido e cansado. Foi uma grande pena já que a banda tocou vinte temas dois quais dezoito são consideradas imprescindíveis no setlist.

O nome da banda pendurada no alto do palco deu todo um detalhe na composição das fotos. Albarn estava elétrico, passeava de um lado a outro do palco exibindo seu dente de ouro frontal perdido e recuperado há alguns dias em Londres.

Há dez anos a banda tocou no mesmo festival e desta vez encontramos Graham Coxon e Alex James, guitarra e baixo respectivamente com cabelos e barba grisalhas mas com riffs intactos e canções que já são atemporais. “There’s No Other Way”, “Popscene”, “Tracy Jacks” estiveram logo no princípio seguidas de “Beetlebum” e “Coffee & TV” e mais para a metade da apresentação tivemos “Luminous” que não era tocada desde 1999 e “Country House” ausente por quase uma década. É quase dispensável dizer que “Parklife” e “Song 2” deram o tom de festa e rebeldia respectivamente. Em reta final “Tender” e “The Universal” e a gente já com o pé na estrada quase às quatro da manhã.

 

Dia 03
Data: 02/06/2023

Tivemos que madrugar no Parc do Fòrum diante do palco Plenitute pois ali estava o duo vasco Niña Coyote eta Chico Tornado para despejar seus riffs.  Com grande influência do The White Stripes o duo não se intimida com as comparações e manda ver, seja aonde for e desta vez foi num evento de grandes dimensões. Abriram com a tradicional (dentro de seu set) “Traman” e seguiram com “Maui Waui”. Algumas músicas são cantadas em inglês e outras em euskera (idioma vasco), deixando claro de que dentro da música não há fronteiras.

Logo ao lado, no palco Dice tivemos o grupo The Beths. Direto da Nova Zelândia e com um punhado de hits, um perfil perfeito para o evento.  Existem bandas que por aqui classificamos como “bandas do estilo Primavera” e esta é uma delas. Outra característica dentro do evento é poder assistir a grupos de algum lugar longínquo como este. Tocaram “Future Me Hates Me” e “Knees Deep” do lançamento mais recente, de tirar o chapéu.

De retorno ao Plenitude para o primeiro show extremo do dia com Soul Glo, um caos sonoro organizado e guitarras massacrantes com uns integrantes muito loucos no palco, destaque para “Fucked Up If True”. Para não deixar as tradições de lado, conferimos a visita anual do Shellac de Steve Albini. Um público fiel que jamais os abandonou se aglomerou diante do palco para o despejo de riffs e piadas de Albini. Para a edição deste ano a abertura ficou com “Copper” e logo cadenciaram o ritmo com “Compliant” e finalizaram com a clássica “The End of Radio”.

Existem bandas que carregam consigo o prazer de fazer diferente e uma delas é o The Wedding Present. A banda já tocou em jornadas inaugurais no Primavera, há dez anos fizeram uma aparição surpresa antes do show do Blur e numa plataforma improvisada e tocaram tres musicas. Este ano fizeram dois shows num único dia. Conferimos o primeiro deles justamente por se tratar de algo distinto. O palco foi montado numa espécie de ilha, rodeada pelo mar e com os painéis solares do Forum ao fundo.

Ali, num palco redondo aonde apenas cem felizardos puderam estar tocaram “Interstate 5”, “A Million Miles” e “You Should Always Keep in Touch Wth Your Friends”, para os familiarizados com a banda sabe que são verdadeiros clássicos, foi um ambiente lindo. A aglomeração no palco Santander antes mesmo do anoitecer tinha uma óbvia explicação, o show do Depeche Mode.  Não sei se a banda ainda mantem uma legião de fãs no Brasil mas aqui na Espanha é banda de estádio. Considerando isso não poderíamos esperar menos da dupla já que Andrew Fletcher faleceu ano passado. Um show maiúsculo e assim como o New Order no dia anterior, com canções atemporais.

“Precious”, “Enjoy The Silense” foram algumas que podemos destacar.  Também teve música dedicada a Fletcher com “World In My Eyes”. Em um set com dezoito temas, encerraram com “Never Let Me Down Again” e “Personal Jesus”. Enquanto num dos palcos principais o Kendrick Lamar proseava seus versos caras conhecidas do punk rock na Catalunha se aglomeravam diante do palco Cupra para a apresentação de nossos amigos Bad Religion. O quinteto californiano pisava por primeira vez no festival e o público correspondeu.

Abriram com o clássico “American Jesus” para um delirio coletivo e seguiram com “Los Angeles is Burning” e nem havíamos deixado o fosso de fotógrafos quando “Do What You Want” do disco “Suffer” incendiou de vez o público, era como se estivéssemos num local exclusivamente punk rock, corpos voando, pessoas surfando nas cabeças de outras… alegria. Com “No Control” descontrolada o tom da festa foi a mais. Uma hora de palco e vinte temas de todas as épocas, um show que já é história no Primavera Sound.   Fim de jornada para os Brigaders.

Dias 04 e 05 
Data: 03 e 04/06/2023

Iniciamos nossa tímida e última jornada no evento com os americanos do Surf Curse, boa banda destas que já mencionamos acima como banda Primavera.

Hits, canções coloridas e guitarras leves como em “Heathers” e “Arrow” além de “Freaks” que, pela reação do público, parece ser o grande hit da banda.  John Cale marcou presença no Auditorio em um show mais íntimo e ao que dizem, bem rock. Não conseguimos entrar, lugares ali são limitados. Descemos a ladeira e conferimos Be Your Own Pet que não pisava no festival há quinze anos. Então aproveitamos a oportunidade para assistir e escutar os riffs de Jonas Stein em músicas como “Damn Damn Leash” e “Black Hole”, além de grande performance da vocalista Jemina Pearl.

Quem também apareceu por lá com sua outra banda foi Julian Casablancas liderando o The Voidz, um show normal com músicas decentes, nem enlouqueceu e nem desagradou ao público, muitos ali estavam por ver o Julian e não por querer escutar o The Voidz.

Na sequência tivemos o The War On Drugs e mais uma das milhares exigências “artísticas”. Tivemos de tudo este ano, fotos do Pet Shop Boys lá do meio do deserto e somente na oitava musica, o Depeche Mode que proibiu a troca de lentes objetivas durante o set, o fotógrafo configurava uma câmera e teria que ser aquela, o The Voidz colocou uma fita adesiva no chão e não poderíamos ultrapassá-la etc.  Até aí, são artistas que se consideram grandes nomes da musica mas The War On Drugs dificultou quando nunca tinha feito.

A banda já passou por aqui diversas vezes e nunca tivemos limitações mas algum inseto picou o líder da banda Adam Granduciel e desta vez resolveu dificultar o trabalho dos fotógrafos. Permitiu imagens mas todos num único canto e para completar posicionou a banda de maneira recuada, o pouco que se conseguia ver eram os bustos dos músicos. Como destaques podemos citar as bonitas “Pain” e “Come To The City”.

E por incrível que pareça, dentro de um cartaz tão variado e com grandes nomes que já apresentamos acima, à meia-noite de sábado nossas opções ram reduzidíssimas. Para dar um finish fotografamos o show do Maneskin no Amazon Music. Sabemos que no Brasil a banda conseguiu um espaço e por aqui seu público é bastante adolescente e os meios especializados em rock que não cobrem o mainstream não dão muito crédito, talvez por terem participado e ganho o “Eurovisão”, um programa de calouros e caça-talentos tradicional e muito comercial.

Mesmo assim, os jovens fizeram um show à altura de seu público, com o vocalista Damiano David e a baixista Victoria de Angelis descendo até o público enquanto tocavam “Bla Bla Bla”. Nossa missão no Parc del Fòrum chegava ao fim apesar mas não de maneira definitiva dentro do evento. No domingo ainda tivemos alguns shows de encerramento em diversas salas de Barcelona e um deles foi o Pet Shop Boys (outra vez) para um público de 500 pessoas na tradicional Sala Apolo. O setlist foi praticamente o mesmo apresentado na jornada inaugural mas o cenário de palco não pode ser repetido.  m show mais simples visualmente, porém com a mesma qualidade sonora. O Primavera Sound 2023 já pode ser considerado um dos melhores que tivemos a oportunidade de participar, não só pelo cartaz mas também pelo ambiente apresentado.

Texto: Ana Paula Soares e Mauricio Melo; Fotos: Mauricio Melo (Snap Live Shots)